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OS MAIAS
- Personagens
- DÂMASO
Cândido SALCEDE -

(...) Eu cá com as mulheres, a minha teoria é
esta: atracão! Eu cá é logo atracão! (in Os
Maias)
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Repare-se no nome: Dâmaso Cândido de Salcede. E,
logo de seguida, no cartão de visita: por baixo
do nome, «as suas honras - COMENDADOR DE CRISTO
- , ao fundo a sua «adresse», corrigida para dar
lugar a «esta outra mais aparatosa - GRAND HÔTEL,
BOULEVARD DES CAPUCINES, CHAMBRE N.º 103».
Depois de uma apresentação como esta, nada a
fazer. Dâmaso Salcede está condenado a ser o que
é – um narcisista assumido. Lisboeta novo-rico,
janota e pedante, filho de um agiota, o velho
Silva, e sobrinho de «Mr. de Guimaran»,
ele é, porém, fisicamente caricato:
um «moço gordo e
bochechudo», de face
quase semprecorada e ostentando essa
coxa roliça que
a palavra perversa e
arguta de Eça constantemente põe à vista do leitor. |
Mas se Dâmaso é o que é, deve-o ao modelo a que
se atrela; a figura de Carlos da Maia é, para ele,
obsessiva. A religiosa adoração por Carlos, a quem imita
e segue para todo o lado «como
um rafeiro»,
torna-o grotesco; e a imbecilidade das suas opiniões e «toilletes»,
a inconveniência das suas maneiras e da sua linguagem,
tudo acaba por fixar-se num tique expressivo que é, ao
mesmo tempo, uma imagem de marca: «chique
a valer».
Digno de alguém que achava Daudet «confusote».
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Com as mulheres, nem se fala. Capaz de provocar
paixões avassaladoras – tenha-se em vista aquela actriz
do Príncipe Real, «montanha
de carne»
que, em desespero e por causa dele, procura a morte,
tragando uma caixa de fósforos –, este homem fatal tudo
faz para merecer o cognome de que certamente se orgulha.
Dâmaso é, em suma, «o
D. João V dos prostíbulos».
Por fim, Dâmaso Salcede acaba como convém:
casado, traído, mas igualmente feliz e cheio de si.
Ninguém como João da Ega para tudo sintetizar, em
conversa com |
Carlos da Maia:
«Coitado,
coitadinho, coitadíssimo... Mas como vês, imensamente
ditoso, até tem engordado com a perfídia!».
Nada que não tivesse merecido, porque ele é, na verdade,
a própria imoralidade em estado bruto, uma alegoria dos
vícios mais perniciosos que infestam a Lisboa da
Regeneração. De facto, esta personagem do "chique
a valer"
é exibicionista, indiscreta nos contactos com Maria
Eduarda, caluniadora, cobarde, traidora, interesseira,
mentirosa...
Obs: as
páginas indicadas referem-se à obra de Eça de Queirós,
Os Maias (Episódios da Vida Romântica), Edição
Livros do Brasil, de acordo com a primeira edição
(1888). Lisboa
Joaquim Matias da Silva
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