Afonso era um pouco baixo,
maciço, de ombros quadrados
e fortes: a sua face larga de
nariz aquilino, a pele corada,
quase
vermelha, o cabelo branco
todo cortado à
escovinha, e a
barba de neve aguda e longa -
lembrava, como dizia Carlos, um
varão esforçado e das idades
heróicas, um D. Duarte de
Meneses ou um Afonso de
Albuquerque.
E isto fazia sorrir o
velho, recordar ao neto,
gracejando, quanto as
aparências iludem! Não,
não era Meneses, nem
Albuquerque; apenas um
antepassado bonacheirão
que amava os seus
livros,
o conchego da sua
poltrona, o seu whist ao canto
do fogão.
Ele mesmo
costumava dizer que era
simplesmente um egoísta - mas
nunca, como agora na velhice, as
generosidades do seu coração
tinham sido tão profundas e
largas. Parte do seu rendimento
ia-se-lhe por entre os dedos,
esparsamente, numa caridade
enternecida. Cada vez amava mais
o que é pobre e o que é fraco.
Em Santa Olávia, as crianças
corriam para ele, dos portais,
sentindo-o acariciador e
paciente. Tudo o que vive lhe
merecia amor - e era dos que não
pisam um formigueiro e se
compadecem da sede de uma
planta.
(Cap. I, pág. 12)
Para além dos aspectos
caraterizadores presentes no
excerto acima transcrito, várias
outras situações e
circunstâncias ajudam a traçar
um retrato físico e psicológico
desta personagem, de entre as
quais destacaremos as seguintes:
Enquanto jovem, adere aos ideais
do Liberalismo e é obrigado,
pelo seu pai, a sair de casa,
indo primeiro para Santa Olávia
e, depois, para Inglaterra.;
Em Inglaterra, instala-se em
casa da tia Fanny e aí vive no
meio do conforto;
Falecido o pai, volta a Lisboa,
conhecendo Maria Eduarda Runa,
filha do conde de Runa, "uma
linda morena, mimosa e um pouco
adoentada".
Após o luto, casou com ela,
vivendo na casa de Benfica, "com
belas ideias de patriarca moço".
Tem um filho, o Pedrinho.
Um dia, por altura da reunião
das Cortes Reais, depois de
alguém o ter acusado de
conspirar contra o absolutismo,
a sua casa de Benfica é
invadida, com a polícia "a
procurar papéis e armas
escondidas".
Não encontra nada, mas Afonso é
obrigado a partir com a mulher e
o filho para o exílio em
Inglaterra, perto de Londres, em
Richmond, onde leva uma vida de
luxo, porque graças às
diligências do conde de Runa,
antigo protegido de D. Carlota
Joaquina e atualmente
conselheiro de D. Miguel, os
seus bens não foram confiscados.
A morte de Maria Eduarda Runa
parece não ter provocado um
terramoto no seu íntimo, ao contrário da morte
do filho Pedro;
Vive muito para o neto Carlos;
Já velho, passa o tempo em
conversa com os amigos, lendo e
emitindo juízos sobre a
necessidade de renovação do
País;
Morre de uma apoplexia quando
tem conhecimento dos amores
incestuosos de seus netos Carlos
e Maria Eduarda.
É apresentado pelo narrador como
um símbolo do velho Portugal que
contrasta com o novo Portugal -
o da Regeneração -, cheio de
defeitos.
Obs: as
páginas indicadas referem-se à obra de Eça de Queirós,
Os Maias (Episódios da Vida Romântica), Edição
Livros do Brasil, de acordo com a primeira edição
(1888). Lisboa