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PROCESSOS FIGURATIVOS

ou

RECURSOS ESTILÍSTICOS - Quadro sinóptico

 

Esses recursos são tradicionalmente designados por figuras de retórica, ou seja, de arte oratória. Vulgarmente são também designados por figuras de estilo e, ainda, por figuras de linguagem.

 

 

 

A NÍVEL FÓNICO (a nível do significnte ou dos sons)
 

Nome do recurso

Definição

Exemplos

Aliteração

- Processo que consiste na repetição intencional dos mesmos sons consonânticos.

"Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso..."

 

Fernando Pessoa, Poesia

 

[...]

"Ninguém lhe fala; o mar de longe bate; Move-se brandamente o arvoredo;

Leva-lhe o vento a voz, que ao  vento

                                                [deita."

 

Camões, Sonetos

 

Assonância

Processo figurativo que consiste na repetição intencional dos mesmos sons vocálicos.

 

Nota: Em muitos casos, a repetição intencional dos sons consonânticos e vocálicos é simultânea, o que pode ver-se claramente nos exemplos da coluna ao lado:
 

"E o surdo ruído lúgubre aumentara Quebrando esse fantástico silêncio"

 

Teixeira de Pascoais, Regresso ao Paraíso


 

 

"Aqui moro Aqui morro Aqui monstros me rodeiam de arame farpado"

 

David Mourão-Ferreira, "Fossos," in Ode à Música

 

 

A NÍVEL SINTÁTICO (da sintaxe)

 

Nome do recurso

Definição

Exemplos

Anacoluto

Consiste num desvio na construção da frase, por ser mudada a concordância inicial.
 

Estes velhos palácios, quase abandonados, olho-os sempre, de longe  ( ... )

 

Branquinho da Fonseca, O Barão

 

Anáfora

 

Consiste na repetição de uma ou mais palavras no início de versos ou frases sucessivos.

Inútil definir este animal aflito.
Nem palavras,

nem cinzéis,

nem acordes,

nem pincéis,
são gargantas deste grito.

 

António Gedeão, Movimento Perpétuo

 

Anadiplose

 

Consiste na repetição de uma ou mais palavras no final de um verso ou frase e no princípio do verso ou frase que imediatamente se lhes segue.

É uma figura de linguagem muito corrente durante o classicismo.

C'os olhos lhe acendi no peito fogo,

Fogo que sempre ardeu e ainda arde agora

 

António Ferreira

 

 

A frouxidão no amor é uma ofensa,

Ofensa que se ele eleva a grau supremo.

 

Bocage

Assíndeto  (enumeração assindética)

Consiste na supressão dos elementos de ligação entre palavras ou frases sucessivas (aparece suprimida, por exemplo, a conjunção copulativa e):
 

Chamou os filhos, falou de coisas imediatas, procurou interessá-los.
 

Graciliano Ramos, Vidas Secas

Elipse

Consiste na omissão de uma  ou mais palavras (ou até de uma frase) que se subentende(m) com maior ou menor facilidade. É frequente na linguagem falada.

- Como tem passado?

- Muito mal. (= tenho passado muito mal)


Fernando Namora, Retalhos da Vida de um Médico

Enumeração

 

Consiste na apresentação sucessiva de vários elementos. O último (ou o primeiro) pode ser uma palavra que os sintetiza a todos.
 

Professor, médico, comerciante, todos se vendiam.
 

Fernando Namora, A Noite e a Madrugada

 Epanadiplose

Consiste na repetição de uma ou mais palavras no início e no fim de uma mesma frase ou de um mesmo verso.

"- Apagaste a candeia? apagaste?

- Meu amor, apaguei.
- E
fechaste o postigo? fechaste?

- Meu amor... sim, fechei."

 

José Régio,

As Encruzilhadas de Deus

 

Epífora

ou epístrofe

 

Consiste na repetição da(s) mesma(s) palavra(s) no fim de frases ou versos seguidos/ sucessivos.

O Tejo é mais belo que o rio que corre

pela minha aldeia,

 Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre

pela minha aldeia  

Porque o Tejo não é o rio que corre

pela minha aldeia.

  

Alberto Caeiro, Poesias

 

Faróis distantes...
A
vida de nada serve...
Pensar na
vida de nada serve...
Pensar de pensar na
vida de nada serve...

                

Álvaro de Campos, "Ode marítima",

in Poesias

 

Epizeuxe

ou reduplicação
 

Consiste na repetição imediata de uma palavra ou palavras no verso ou frase.
 

Horas, horas sem fim
pesadas, fundas, esperarei por ti.

 

Eugénio de Andrade,

As Mãos e os Frutos

 

Gradação

 

Figura de estilo que consiste numa seriação ou enumeração de palavras, sintagmas ou ideias, cujo sentido é cada vez mais forte ou visa uma orientação positiva/megativa, num movimento global de intensificação. Ao tipo de gradação que evolui em crescendo, chama-se gradação ascendente ou clímax. A gradação pode, porém, evoluir em sentido descendente, através de uma seriação de elementos cada vez menos intensos, sendo, neste caso, designada por gradação descendente ou anticlímax.
 

"- Esborrachava-lho sim, esborrachava, João da Ega! Esborracha-va-lho assim, olha, assim mesmo! (...) - Mas não quero, rapazes! Dentro daquele crânio só há excremento, vómito, pus, matéria verde, e se lho esborrachasse, porque lho esborrachava, rapazes, todo o miolo podre lhe saía, empestava a cidade, tínhamos a cólera! Irra! Tínhamos a peste!"

(Dito irado de Tomás de Alencar, a propósito do  "cérebro" de Craveiro, em que utiliza uma sucessão de metáforas escatológicas que culminam na potencialidade de disseminação da peste pela cidade)

 

Eça de Queirós, Os Maias, (1988), Lisboa: Ed. Livros do Brasil, cap. VI, p. 174

 

 

 

"Que foi?... Lágrima? - Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera...
 

Almeida Garrett, "Anjo és",

Folhas Caídas

 

Hipérbato

ou inversão
 

É uma alteração drástica ou violenta na ordem das palavras na frase. Tem como objetivo estético o de provocar o inusitado na construção frásica, embora, em poesia, seja muitas vezes condicionado por restrições de versificação.







 

Nota: Um caso particular de hipérbato é a disjunção, que consiste na intercalação de uma palavra ou expressão, separando elementos de um mesmo grupo. Ex: "Já no batel entrou do Capitão."

Camões, Os Lusíadas, lI, 101

", contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como bênção!"
 

Fernando Pessoa, Mensagem, "Os castelos",

D. Afonso Henriques
 

Nota: Nesta estrofe os complementos diretos "a bênção como espada" e "a espada como bênção" foram separados da foram verbal que os seleciona - ""-, através da intercalação de outros sintagmas.

 

"As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,

(...)
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando

(...)
Cantando espalharei por toda a parte
Se a tanto me ajudar o engenho e arte."

 

(Camões, Os Lusíadas, I, 1 e 2)

 

Nota:  Nestas duas primeiras estrofes de Os Lusíadas, encontramos o hipérbato, com inversão dos constituintes, na medida em que os sintagmas nominais com função de complemento direto (CD) dependentes do predicado "cantando espalharei" se antecipam ao verbo e são intercalados por outros sintagmas. Assim, a ordem direta seria "cantando espalharei por toda a parte as armas e os barões assinalados (...) e também as memórias gloriosas (...)".

 

Paralelismo

Consiste na repetição da mesma estrutura frásica.
 

A tua linda voz de água corrente
Ensinou-me a cantar... e essa canção

Foi ritmo nos meus versos de paixão,

Foi graça no meu peito de descrente.

 

Florbela Espanca,

Charneca em Flor

 

Paralelismo anafórico

Consiste na repetição da mesma estrutura frásica, sendo que no início de segmentos frásicos ou versos consecutivos se repetem a(s) mesma(s) palavra(s).

 

"... contra vós se emalham e entralham as redes; contra vós se tecem as nassas; contra vós se torcem as linhas; contra vós se dobram e farpama os anzóis...". 

 

P.e António Vieira,

Sermão de Santo António  aos Peixes

Polissíndeto

 

Consiste na repetição sistemática e abundante de elementos de ligação, especialmente de conjunções coordenadas. O polissíndeto produz um efeito de acumulação, que pode evoluir no sentido de uma gradação, visando obter um crescendo de intensidade emotiva ou argumentativa.

"E as pinoquices de Vasco Mendonça Alves passadas no tempo da avozinha! E as infelicidades de Ramada Curto! E o talento insólito de Urbano Rodrigues! E as gaitadas do Brun! E as traduções só p'ra homem do Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Melo Barreto! E o Frei Mata Nunes Moxo! E a Inês sifilítica do Faustino! E as imbecilidades de Sousa Costa! E mais pedantices do Dantas! (...)"

 

Almada Negreiros, Manifesto Anti-Dantas, Lisboa, Edições Ática, p.13

 

"Ora, há dez anos, neste chão de lava
E argila e areia e aluviões dispersas,
Entre espécies botânicas diversas,
Forte, a nossa família radiava!"

 

Cesário Verde,

O Livro de Cesárío Verde

 

Pleonasmo

 

 Consiste no emprego de uma palavra ou palavras que reforçam uma ideia que já está expressa.

 

Nota: O pleonasmo é frequente na linguagem falada, em frases como: "Entre, vá para dentro!", "Desce daí abaixo!", etc., e é próprio de uma linguagem expressiva, mas não se pode abusar do seu uso despropositado.

 

- Isto é de mando da pessoa que nós sabemos? -  tornou ele, acenando para o cesto.

- Saiba vomecê que sim.

- Entre cá para dentro.


Aquilino Ribeiro, Terras do Demo
 

 

 

 

Vi com os meus olhos uma hemorragia de sangue.

Quiasmo

Figura de retórica baseada na simetria que é construída com quatro termos, sendo que os quatro, ou pelo menos dois deles, são integralmente repetidos,  mas apresentados invertidamente, de forma cruzada. Aliás, não é por acaso que a palavra quiasmo deriva da letra grega χ χ (chi ou qui).

"Temos de comer para viver

e não viver para comer."

(Máxima)

 

"Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A
benção como espada,
A
espada como benção!"

 

Fernando Pessoa,

Mensagem, "Oscastelos", D. Afonso Henriques
 

 

"Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos.
E
os meus pensamentos são todos

                                         [sensações."

 

Alberto Caeiro,

O guardador de rebanhos, IX
 

 

AO NÍVEL SEMÂNTICO (dos sentidos, do pensamento)

 

Nome do recurso

Definição

Exemplos

Alegoria
 

Consiste num encadeamento de comparações ou metáforas em que um conceito abstrato é corporizado, por assimilação a um termo metafórico concreto. O texto alegoricamente construído ganha  uma dimensão marcadamente simbólica. A alegoria assume, muitas vezes, a forma de parábola, de fábula, de exemplo, de sátira, de sermão, etc., e é possível ser encontrada em todos os géneros literários

Os dias da nossa idade, ou seja curta ou comprida, são como as marés, que ora enchem, ora vazam: enchem nos rios da vida, vazam no mar da morte. O que importa é fazermos neles boa viagem e chegar a deitar âncoras no porto da salvação.

 

Frei António das Chagas,

Cartas Espirituais

 

 

Um exemplo famoso de alegoria é o que encontramos na Alegoria da Caverna, de Platão (in, A República, Livro VII). Para Platão, a caverna representa o mundo, mundo este que é um lugar de ignorância, sofrimento e punição, em que as almas são acorrentadas pelos deuses, de costas para a luz do sol, símbolo da inteligência, da clarividência, da cultura.

 

Também nos autos de Gil Vicente é frequente encontrarmos uma dimensão alegórica. É o caso do Auto da Alma em que a Alma é uma personagem alegórica, que caminha pelo mundo à semelhança de um peregrino que percorre vários lugares e que se cruza com o bem e com o mal, alternadamente cedendo ora às tentações demoníacas ora aos apelos angélicos. A Alma acaba por encontrar o bem, na tranquilidade e amparo da estalagem da Santa Madre Igreja, que lhe serve uma refeição mística constituída pelas Insígnias da Paixão de Cristo.
 

De igual modo, no Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira, há alegorias, designdadmente quando é feita a descrição física do polvo, que simboliza a hipocrisia, a traição e a dissimulação humanas:
O polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão.

 

Padre António Vieira,

Sermão de Santo António aos Peixes

 

Animismo

Consiste em atribuir vida ou caraterísticas de seres animados a seres inanimados.

 

(Difere da personificação porque, no animismo, os seres não assumem caraterísticas de pessoas.)

A luz do farol ia mordendo os troncos, engolfando-se nos desvãos e criando inesperadas abóbodas.


Ferreira de Castro,

A Selva
 

 

Com a mão esquerda, segura a ponta do avental, que forma um bojo fofo onde o farelo e os grãos de milho se aninham.


Érico Veríssimo,

Clarissa

 

Antítese
 

Consiste em apresentar um contraste entre duas ideias ou coisas, o qual é posto em grande evidência pela oposição das palavras que designam cada uma
dessas ideias ou coisas (relação de contrários).
 

O esforço é grande e o homem é pequeno.

 

Fernando Pessoa,

Mensagem


Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,

Toque, toque, toque, que recordação!

Minha avó ceguinha se me representa... Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o
berço fez-lhe o seu caixão!...


Guerra Junqueiro,

Os Simples

 

Antonomásia

é uma das variantes mais conhecidas da sinédoque, substitui o nome próprio por uma caraterística da pessoa:

Cessem do Sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes qe fizeram

(...)

 Camões, Os Lusíadas, V, 6

 

Nota: O Sábio Grego é Ulisses; o Troiano é Eneias.

 

Apóstrofe

ou Invocação

Consiste na interpelação a alguém ou a alguma coisa personificada. É frequente o recurso ao vocativo acompanhando o discurso direto.
 

Ó serra das divinas madrugadas,
[Ó serra] Das estrelas, [Ó serra] das nuvens e [Ó serra] do vento...


Teixeira de Pascoais,

Poesia

Comparação
 

Consiste em estabelecer uma relação de semelhança através de uma palavra ou expressão comparativa ou de verbos a ela equivalentes (parecer, lembrar, sugerir, etc.).

A noite descia,
Como um cortinado,

Sobre a erva fria
Do campo orvalhado.

Carlos Queirós,

Desaparecido


E a Lua
lembra o circo e os jogos malabares.
 

Cesário Verde,

O Livro de Cesário Verde

 

Disfemismo

 

Consiste em acentuar com palavras duras ou violentas uma realidade/ideia que por si só já é considerada violenta ou chocante.
 

 

 

Esticar o pernil”, "Ir fazer tijolo", "Bater a cassuleta"; "Fazer parte da lista dos não fumadores" - todas estas expressões para dizer morrer.

“ – Foi. Enfurecendo-se,
estourou. É dos livros…
– Se não se tivesse zangado hoje…
Estourava amanhã. Estava nas últimas… Deixa em paz a criatura.
Está começando a esta hora a
apodrecer, não a perturbemos.”

Eça de Queirós

 

Eufemismo

 

 Consiste em transmitir de forma suavizada uma ideia ou realidade que é considerada violenta ou chocante.
 

Nota: O eufemismo aparece muitas vezes associado à perífrase. (Ver o que se disse sobre esta última.)

 

- Coitado quem se vai deste mundo! - suspirou a mulher.

- Acendeste a luz às alminhas?


Vitorino Nemésio,

A Casa Fechada

 

…Só porque lá os velhos apanham de quando em quando uma folha de couve pelas hortas, fazem de nós uns Zés do Telhado!

 

Aquilino Ribeiro
 

Tirar Inês ao mundo determina.

Camões

 

Exclamação

 E uma figura de estilo utilizada para dar ênfase a um sentimento/estado de alma, criandp assim mais emoção.

[...]

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um

[momento

Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

[...]

Camilo Pessanha,

Clepsidra

 

Hipálage

Consiste na atribuição a um objeto de uma caraterística que logicamente pertence a outro com o qual está relacionado.
 

Ela ficara ajoelhada, imóvel, com os olhos esgaseados para o tapete. Depois, no silêncio estofado da sala, a sua voz ergueu-se dolente e trémula.
 

(A sala é estofada, não o silêncio)

 

Eça de Queirós,

Os Maias


Queimavam-me a boca palavrões de insulto, de vingança, precisava de vexar aquela tipa, que, de perna cruzada, baforava um
fumo feliz.


 (Quem estava feliz era aquela tipa, não o fumo)

 

Vergílio Ferreira,

Aparição

 

Hipérbole

Consiste no emprego de termos que exageram a realidade, para a realçarem.

 

Está um tempo torvo, gelado. Chove a potes.
 

Vitorino Nemésio,

Corsário das Ilhas
 

Santa Maria, até se me puseram os cabelos em pé ao eco do nosso brado, ali no meio do ermo!

Aquilino Ribeiro,

O Malhadinhas
 

Nota: A hipérbole é frequente na linguagem falada, em expressões como: "porem-se os cabelos em pé", "não se ver um palmo à frente do nariz", "estar um sol de rachar", etc.

 

Imagem
 

Consiste no recurso a aspetos sensoriais para, a partir daí, provocar uma forte evocação afetiva e os seus consequentes efeitos sugestivos e emocionais.

No seu todo, a imagem, permite-nos visualizar, ouvir ou sentir uma determinada (ir)realidade.

Os teus olhos são dois lagos encantados onde o céu se mira como num espelho!


Érico Veríssimo,

Clarissa


Vejo a verdade naufragar, imersa
Nas palavras que correm como um rio.

 

Carlos Queirós,

Desaparecido


Nota: A imagem inclui, frequentemente, várias figuras que resultam de processos de analogia ou equivalência: comparação, metáfora, personificação, etc. Em sentido mais geral, consideram-se imagens cada uma dessas figuras.

 

Interrogação

retórica

É uma figura de estilo quando não pretende obter uma resposta, mas sim tornar mais vivo o pensamento através da expetativa que suscita. Torna o texto mais coloquial, mais dialogal, estabelecendo uma maior proximidade entre o sujeito poético e o leitor.
 

Este inferno de amar - como eu amo! -

Quem mo pôs aqui n'alma.. quem foi?

Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -

Como é que se veio a atear,
Quando - ai
quando se há-de ela apagar?

 

Almeida Garrett, Folhas Caídas

Ironia

Consiste em exprimir uma ideia querendo dizer precisamente o seu contrário.
 

- Por entre estas soberbas carroças, Senhor Presidente, vejo eu passar mal arrimados às paredes, e temerosos de serem esmagados, uns homens de aspecto melancólico, e mal entrajados. Nestes cuido eu ver D. João de Castro, que empenhou as barbas ( ... ), e Luís de Camões, que vem de comer as sopas dos frades de S. Domingos. Cada época tem centenares destas ilustres vítimas.
-
Vê coisas magníficas!


Camilo, A Queda de um Anjo

 

Litote

Consiste  em fazer uma afirmação pela negação do seu contrário. Deste modo consegue-se uma atenuação de pensamento, para significar mais do que o que se diz e sugeri-lo assim mais intensamente. A afirmação é feita recorrendo-se a(s) palavra(a) que dizem o contrário.
 

"Já tenho três maços, Mãe,
Das cartas que tu me escreves

Desde que saí de casa...
Três maços - e
nada leves!."

Nota: nada leves é o mesmo que muito pesados.
 

José Régio

 

“Aquele ali é o seu novo namorado? Até que  não é feio!”

 

Nota: até que não é feio é o mesmo que é bonito.

Metáfora



 

Consiste na identificação de conceitos / realidades diferentes, mas com algum(ns) aspeto(s) em comum. Quanto mais difícil for encontrar os pontos de aproximação / identificação desses conceitos / realidades, mais rica será a metáfora.

"A vazante atinge o seu máximo. A casa é uma concha abandonada pela maré."

 

Luisa Dacosta, A-ver-o-mar
 

"Meu pensamento é um rio subterrâneo".

 

Fernando Pessoa


De novo o rio começara a vazar.
Todas as veias da selva levavam as suas águas denegridas ao caudal barrento, que ia emagrecendo dia a dia.

 

Ferreira de Castro, A Selva

 

Metonímia
 

Consiste em designar uma realidade por meio de uma outra que com ela mantém uma relação objetiva.Tem muitas variantes:
 

• Toma o continente pelo conteúdo;

 

 

 

• Emprega a causa pelo efeito, os antecedentes pelos consequentes, ou vice-versa;
 

 

 

• Emprega o concreto pelo abstrato, ou vice-versa;
 

 

 

 

 

• Emprega a obra pelo autor;

 

• Emprega o todo pela parte;

 

 

• Emprega a matéria pelo objeto;

 

 

 

• Emprega  o nome da marca pelo produto;

 

 

• Emprega  o nome do lugar pelo produto.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

"E ele só bebeu quase toda uma garrafa de chambertin."

Nota: refere-se a garrafa em vez do respetivo líquido

Eça de Queirós, Os Maias

 

A pálida doença lhe tocava,
Com
fria mão, o corpo enfraquecido."

Nota: A palidez assim como a frieza da mão são causadas pela doença.
 

Camões, Os Lusíadas, III, 83

 

"O tempo dera-lhes afinal a chave daquela existência, destinada, afinal, mais às provações do sofrimento do que ao gosto das alegrias.

Nota chave em vez de explicação.
 

Miguel Torga, Contos da Montanha

 

"Li e reli Pessoa."

Nota: Pessoa em vez de obra de Pessoa.
 

“Enormes chaminés dominam os bairros fabris da cidade inglesa.”

Nota: chaminés em vez de fábricas.
 

“O jantar foi servido à base de porcelanas e cristais.”

Nota: porcelanas e cristais em vez dos objetos (pratos, travessas, copos,,,)

 

“Comprei um kispo.”

Nota: Kispo em vez de blusão em material impermeável, geralmente curto.

 

“Um cálice de porto aquecia-lhe deveras a alma!”

Nota: porto em vez de vinho.

Paradoxo

Consiste em aplicar a uma mesma realidade termos inconciliáveis, destacando assim a sua complexidade (relação de contraditórios).
 

Foste tu que partiste,
- Meu
amargo prazer, doce tormento
!
 

Carlos Queirós, Desaparecido
 

Nota: Estamos em presença de dois paradoxos: amargo prazer, pois um prazer não é, em princípio, amargo; doce tormento, considerando que um tormento nunca será doce.

 

Perífrase


 

Consiste em designar alguém ou alguma realidade, não pelos termos habituais, mas de um modo descritivo e, por isso, mais desenvolvido e enfático.

 

 

 

Por vezes a perífrase, associada ao eufemismo (ver este recurso expressivo) tem como objetivo dissimular ou atenuar uma realidade desagradável.

 

Desceu finalmente o pano sobre esse pesadelo com bichos de aço (...) e cidades a arder.

 

Nota: O texto acima transcrito quer dizer simplesmente que a guerra acabou finalmente.
 

José Gomes-Ferreira, O Mundo dos Outros


Três dias gastou a morte em acabar esta empresa.

 

Nota: quer isto dizer que a pessoa em causa faleceu ao fim de três dias.
 

D. Francisco Manuel de Meio, Epanáforas

Personificação

 



 



 

Consiste em atribuir caraterísticas próprias de pessoas a animais, coisas ou ideias.
 

A luz do farol ia mordendo os troncos, engolfando-se nos desvãos e criando inesperadas abóbadas.


Ferreira de Castro, A Selva


Com a mão esquerda, segura a ponta do avental, que forma um bojo fofo onde
o farelo e os grãos de milho se aninham.


Érico Veríssimo, Clarissa

 

O vento soluça e geme ( ...)
 

António Nobre,


O mar, f
arto do vento sul que o esguedelha e irrita, espoja-se raivoso.


José Loureiro Botas, Frente ao Mar
 

Prosopopeia

No domínio das figuras de pensamento, devemos ter em consideração a prosopopeia, figura pela qual se introduzem, no discurso, pessoas, divindades, animais ou seres inanimados.

Toma o nome de:

dialogismo, se as pessoas falam consigo ou umas com outras;

idolopeia, se aparecem a falar divindades;

prosopopeia propriamente dita, quando se põem a falar animais ou seres inanimados, ou se lhes atribui qualquer manifestação da vida humana.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

«Por quem sempre o Tejo chora»

Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 14.

 

Sinédoque


 

 


 









 

Pode considerar-se um caso particular de metonímia. A atribuição do nome de uma realidade a outra fundamenta-se aqui numa relação essencial e não acidental. Por isso, alguns gramáticos consideram que a relação entre os termos da metonímia é uma relação de coordenação, enquanto na sinédoque é de subordinação.


• Designa uma parte para significar o todo;
 


 

 

• Utiliza o singular em vez do plural;

 

 


 

 

 

 

 

 

• Nomeia a matéria para significar o objeto.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As armas e os barões assinalados

Que da Ocidental praia Lusitana
 

Nota: praia Lusitana = Portugal

 

Camões, Os Lusíadas, 1, 1

 

Aqui, o pescador vive em barracas de madeira que têm o aspecto de povoações lacustres.

 

Nota: pescador em vez de pescadores

 

Raul Brandão, Os Pescadores


 

 

Manda esquipar batéis, que ir ver queria
Os lenhos
em que o Gama navegava.
 

Nota: lenhos em vez de navios: os navios eram feitos de lenho = madeira.

 

Camões, Os Lusíadas, VII, 73

 

Sinestesia

Consiste na associação de palavras que se referem a sentidos (sensações ou dados sensoriais) diferentes.
 

(...) água de que se exala um hálito verde envolvido nas ondas.


Nota: repare na relação sintática que se estabelece entre palavras que remetem para dados sensoriais diferentes: olfacto [hálito] e vista [cor verde])

 

Raul Brandão, Os Pescadores


- É noite: e, sob o
azul morno e calado, concebem os jasmins e os corações.
 

Nota: os sentidos da vista [azul], do gosto [morno] e do ouvido [calado]) estão presentes no nome "azul" e nos adjetivos que o caraterizam.

 

Gomes Leal, A Duquesa de Brabante

 

Zeugma

 

Figura de linguagem que consiste na omissão de palavra ou palavras já expressa(s) noutra oração do mesmo período.

Pode configurar também uma construção em que a um verbo ou a um adjetivo se ligam duas ou mais palavras sem que se adaptem da mesma forma a esse verbo ou a esse adjetivo, originando, por exemplo, a subordinação de objetos muito diferentes a um mesmo verbo ou a atribuição de uma mesma qualidade a objetos muito diversos.

O zeugma é frequentemente utilizado para se obterem efeitos cómicos ou absurdos.

 

O lobo ataca com os dentes, o touro com as hastes." (= ...o touro ataca...)

 

O caminho da verdade é direito e fácil; e o da falsidade é tortuoso e complexo. (= ...e o caminho da falsidade...)

Aquele coração precisa dilatar-se,
aqueles sentidos de recrearem-se. (= ...aqueles sentidos precisam de recrear-se.) 

 

Alexandre Herculano

 

(...) As sapatas descalçou e, pondo-as no chão, por dentro d'água entrou e a Jano pelo coração (= ...e a Jano entrou pelo coração.)

Bernardim Ribeiro, Écloga II
 

 

(...) foi o nosso amigo acometido de uma lesão cardíaca - e de uma ideia. (= ...e acometido de uma ideia.) 
 

Machado de Assis

 



 

 

Joaquim Matias da Silva

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