O mais célebre herói da Antiguidade, apenas partilhando, talvez, esse estatuto
com Hércules, nasceu em Ítaca, ilha do mar Jónio, na costa ocidental da Grécia.
Era filho do rei de Ítaca, Laertes, e de Anticleia, filha do herói Díocles,
embora uma tradição o apresente como filho de uma relação entre Anticleia e
Sísifo, quando a jovem já estava noiva de Laertes. Seja como for, pelo lado
materno, Ulisses era descendente de Hermes, logo era de raça divina.
Foi educado
por Quíron, o centauro, com quem aprendeu a prudência e a sagacidade, qualidades
que em si se tornariam proverbiais. Na sua infância e juventude, fez inúmeras
viagens. No monte Parnaso, a convite do seu avô, Antolicos, participou numa
caçada ao javali, tendo sido ferido e ficando com uma cicatriz no joelho que lhe
permitiu, anos mais tarde, fazer-se reconhecer por sua esposa. Na corte de
Ifitos, adquiriu o precioso arco de Êurito, que lançava setas imparáveis. Antes
de atingir a idade adulta, subiu ao trono de Ítaca, em substituição do seu pai,
já demasiado idoso.
Foi um dos pretendentes à mão de Helena, filha de Tíndaro,
cuja beleza e graça percorriam mundo. Para captar as boas graças de Tíndaro,
Ulisses fez, inclusive, um pacto com todos os pretendentes de Helena, segundo o
qual todos se comprometiam a vingar qualquer ultraje que fosse feito a Helena ou
ao seu futuro esposo. A bela princesa casa, no entanto, com Menelau. Então
Ulisses casou-se com sua prima Penélope, filha do rei Icário. Desta união nasceu
um único filho, Telémaco.
Pouco depois deste nascimento, sobreveio o rapto
de Helena por Páris, filho de Príamo, rei de
Troia. Imediatamente Menelau reuniu todos os
antigos pretendentes de Helena e lembrou-lhes o
juramento. Ulisses ainda tentou esquivar-se,
fingindo-se louco. Mas Palamedes, príncipe da
Eubeia, desconfiou do fingimento de Ulisses e
colocou à frente da relha do arado, puxado por
Helena de Tróoa,
segundo Evelyn de Morgan,1989.
bois, que Ulisses guiava na lavoura, o próprio filho de
Ulisses, Telémaco, ainda criança. Para não ferir o
menino, Ulisses levantou o arado a toda a pressa, dando
assim a conhecer que não estava louco.
Foi, por isso, recrutado
para tomar parte no cerco de Troia e foi até encarregado
de ir a casa de Licomedes, rei de Ciros,
buscar Aquiles, que aí se refugiara para não ser
mandado para a Guerra de Troia.
A
intervenção destes dois heróis, aliada à de outras figuras insignes, tornaria
possível a destruição de Troia, ao fim de dez anos de cerco. Ulisses comandava
um contingente de quinze navios e fazia parte do Congresso dos Chefes. Também
foi sua a ideia audaz de construir o cavalo de madeira que permitira o desfecho
do pleito a favor dos gregos. De regresso à pátria, passou muitos perigos na sua
viagem marítima, em luta permanente contra a sua má sorte.
Ulisses e Circe,
por Wolgemut.
Naufragou na Ilha de Circe, onde a feiticeira do mesmo nome, que conviveu com Ulisses, teve dele um
filho a que deram o nome de Telégono.
Em Ítaca era já considerado morto, e a sua mulher pretendida por vários
candidatos. Mas a todos eles resistiu, guardando uma fidelidade inabalável a seu
marido.
Para isso, socorreu-se do artifício da renda, que fazia
de dia e desfazia de noite, para adiar as respostas que
os pretendentes lhe solicitavam.
Ulisses acabou por sair da Ilha de Circe para ter um novo naufrágio junto da
Ilha dos Ciclopes, onde foi aprisionado com os seus companheiros.
Com a
habilidade de que dispunha, todavia, escapou aos encantos das sereias e partiu
de novo. Nesta altura Éolo, deus dos ventos, tratou muito bem Ulisses e
ofereceu-lhe vários odres onde os ventos estavam encerrados. Os seus
companheiros, roídos de curiosidade a respeito do conteúdo dos odres,
abriram-nos, e os ventos saíram com tal impetuosidade, que provocaram
Herbert James
Draper: Ulisses escapa
aos encantos das sereias.
uma violenta empestade.
Ulisses perdeu todas as naus da sua frota, conseguindo,
todavia, salvar-se numa prancha e chegar, de novo, a Ítaca. Aí chegado, viu-se
apenas reconhecido pelo seu velho cão, já cego.
Disfarçado, conseguiu
aproximar-se incógnito de Penélope, sua mulher, que, assediada de numerosos
pretendentes, como já se disse, e não podendo mais utilizar a artimanha da
renda, havia prometido casamento àquele que conseguisse endireitar o arco que
era pertença de Ulisses. Ninguém o conseguiu, até que se apresentou o próprio
Ulisses, que levou a bom termo aquela tarefa, sendo
assim reconhecido pela esposa e demais
familiares.
Francesco
Primaticcio: Ulisses e Penélope
Ajudado pelo filho Telémaco, derrotou todos os
pretendentes de Penélope e recuperou os seus domínios.
Em determinada altura, tendo
sabido por um oráculo que um filho lhe tiraria a vida, entregou os seus estados ao seu filho Telémaco, para poder ausentar-se e
escapar àquela previsão. Mas Telégono, o outro filho de Ulisses, sentindo-se
deserdado, matou o pai, cumprindo-se assim o que fora anunciado pelo oráculo.
A sua aventura é narrada na
Odisseia de Homero, e seduziu, através dos tempos,
outros autores, como Fenelon ou James Joyce.
Segundo a lenda, Ulisses, nas suas viagens, teria aportado ao território da
Península Ibérica, onde fundou no Tejo uma cidade, Olissipo, hoje Lisboa.
Como prova da sua grande valentia e destreza e em virtude dos valiosos serviços
prestados à pátria, Ulisses foi declarado semi-deus. O seu equivalente grego é
Odisseu.