D. Miguel Pereira Forjaz, educado no Colégio dos Nobres,
acarreta com o peso das secretarias da guerra e da
marinha logo que as tropas de Junot abandonam Lisboa.
Organiza o exército e uma esquadrilha
para conter os argelinos. Chegara-se ao último extremo.
Faltam armas e dinheiro: não hesita, não esmorece, nem
repousa. Coordena todos os esforços, apela para todas as
bolsas. Levanta regimentos de artilharia e infantaria
e seis batalhões de caçadores; ordena que os quarenta e
oito regimentos de milícias tenham 1.101 homens cada um.
Por alvará de 12 de Novembro de 1809 manda proceder à
remonta de cavalaria; recruta todos os homens dos
18 aos 35 anos; aumenta o número de batalhões da 2.ª
linha; decreta a 9 e a 11 de Março o armamento geral do
País e, de tal forma trabalha, que em 1810
chega a dispor de 60.000 homens de 1.ª linha,
D. Miguel
Forjaz -TEP, 2004.
num País exausto, retalhado por
três invasões sucessivas e com pouco mais de dois milhões e
meio de habitantes. Basta bradar - ó dos chuços! -
para o povoléu armado sair em magotes para a rua. Atura de pé as duas invasões, e
compõe, remenda, concerta, sem descanso, da mesma forma
que já antes conseguira dar certa unidade às levas de
fouces roçadouras de Bernardim Freire. Há um momento em
que fica quási sozinho na regência. Os
outros adoecem; a esse homem insignificante e franzino -
a figura balofa secara, minada pela ambição - ninguém, o
arranca de cima do potro. Assina, ordena, persiste.
É a
alma de tudo aquilo. É D. Miguel Pereira Forjaz. Todo
poderoso, calado, infatigável, sereno. Tem a saúde de
ferro dos ambiciosos, e trabalha tanto e tão bem que
Beresford é obrigado a reconhecer mais duma vez que não
encontrava melhor auxiliar para a organização do
exército.
«Expulsos os franceses, D. Miguel, cuja saúde preocupa
os seus amigos, e que continua a ser o primeiro na sua
secretaria e único como sempre a mandar, D, Miguel
obstina-se noutra ideia - desfazer-se dos
ingleses. Vai contra vontade do rei, contra a vontade do
partido inglês, que tivera em Londres como representante
Domingos de Sousa Coutinho, nosso ministro em Inglaterra
até 1812; no Rio de Janeiro o Conde de
Unhares, falando ao ouvido de D. João VI, e em Lisboa,
como sentinela ali destacada por Lord Strangford, em
substituição do Marquês de Minas, o Principal Sousa».
D. Miguel não se regula por sentimentos; é um homem de
estado, metódico e prudente. Este animal de sangue-frio,
que fala pouco e nunca se altera, vê-se de repente nas
mãos dos seus inimigos. Sobre isto tudo é
pertinaz. E como é «um oficial muito laborioso», como é
um homem muito inteligente a quem o próprio Wellesley
elogia raros portugueses, chega a tudo; o rei de facto é
ele, a figura sumida, com uma ambição tenaz de mando,
uma capacidade de trabalho formidável e uma persistência
que jamais esmorece. Espera - e depois continua.
Pára - e logo rodeia, mas chega sempre ao fim. Sente-se
que é cioso do poder, os outros, o marquês, este e
aquele, são figuras decorativas, ele não, ele manda, é a
mola oculta da regência. Mas o poder nunca é tão
absoluto que não dependa dos outros, nenhum sonho se
converte em realidade sem deixar farrapos pelo caminho.