FREI LUÍS DE SOUSA -
ACTO II
CENA V
Maria,
Manuel de Sousa, Jorge, Madalena
(entrando)
Madalena
(correndo a abraçar Manuel de Sousa)
‑
Estou boa já, não tenho nada, esposo da minha alma. Todo
o meu mal era susto; era terror de te perder.
Manuel
‑
Querida Madalena!
Madalena
‑ Agora estou boa; Telmo
já me disse tudo, e curou‑me com a
boa nova. Maria, Deus
lembrou‑se de nós; ouviu as tuas orações, filha, que as
minhas... (vai a
recair na sua tristeza)
Jorge
‑ Ora
pois,
mana, ora pois!... Louvado seja Ele por tudo. E
haja alegria! Que era sermos desagradecidos para com o
Senhor, que nos valeu mostrar‑se hoje alguém triste
nesta casa.
Madalena
(fazendo por se alegrar)
‑
Triste
porquê? As tristezas acabaram. (para Manuel de Sousa)
Tu ficas aqui já de vez. Não me deixas mais, não
sais de ao pé de mim? Agora, olha, estes primeiros dias
ao menos hás‑de‑me aturar, hás‑de‑me fazer companhia.
Preciso muito, querido.
Manuel
‑ Pois
sim, Madalena, sim; farei quanto quiseres.
Madalena
‑ É
que eu estou boa... boa de todo; mas tenho uma...
Manuel
‑ Uma
imaginação que te atormenta. Havemos de castigá‑la,
ainda que não seja senão para dar exemplo a certa
donzela que nos está ouvindo e que precisa... precisa
muito. Pois olha: hoje é sexta‑feira...
Madalena
‑
Sexta‑feira! (aterrada) Ai que é sexta‑feira!
Manuel
- Para
mim tem sido sempre
o dia mais bem estreado de toda a
semana.
Madalena
‑Sim!
Manuel
‑ É o
dia da Paixão de Cristo, Madalena.
Madalena
(caindo em si)
‑
Tens
razão.
Manuel
‑ É
hoje sexta‑feira; e daqui a oito... vamos ‑ daqui a
quinze dias bem contados, não saio de casa. Estás
contente?
Madalena
‑ Meu
esposo, meu marido, meu querido Manuel!
Manuel
‑ E
tu, Maria?
Maria
(amuada)
‑
Eu não.
Manuel
(para Madalena)
‑
Queres
tu saber porque é aquele amuo? É que eu
precisava de ir hoje a Lisboa...
Madalena
‑ A Lisboa... hoje!
Manuel
‑ Sim; e não posso deixar de ir. Sabes que
por
fins desta minha pendência com os governadores,
eu fiquei em dívida ‑ quem sabe
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se da
vida? Miguel de Moura e esses meus
degenerados parentes
eram capazes de tudo! ‑ mas o certo é que fiquei em
muita dívida ao arcebispo. Ele volta hoje aqui para o
convento; e meu irmão, que vai com outros religiosos
para o acompanharem, entende que eu também devo ir. Bem
vês que não há remédio.
Madalena
‑ Logo
hoje!... Este dia de hoje é o pior... se fosse amanhã,
se fosse passado hoje!... E quando estarás de volta?
Jorge
‑
Estamos aqui sem falta à boca da noite.
Madalena
(fazendo por se resignar)
‑
Paciência;
ao
menos valha‑nos isso! Não me deixam aqui só outra
noite... esta noite particularmente, não fico só...
Manuel
‑ Não,
sossega, sossega, não; estou aqui ao anoitecer. E nunca
mais saio de ao pé de ti. E não serão quinze dias;
vinte, os que tu quiseres.
Maria
‑
Então vou, meu pai, vou? Minha mãe dá licença, dá?
Madalena
‑ Vais
aonde, filha? Que dizes tu?
Maria
‑ Com
meu pai, que tem de ir ao Sacramento, de caminho. E bem
sabeis, querida mãe, o que eu ando há tanto tempo para
ir àquele convento conhecer a tia D. Joana...
Jorge
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‑
Soror Joana: assim é que se chama agora.
Maria
‑ É verdade. E andam‑me a prometer, há um ano,
que me hão‑de levar lá... Desta vez hão‑de‑mo
cumprir... não é assim, minha mãe?
(acarinhando‑a) minha querida mãezinha? Sim,
sim, dizei já que sim.
Madalena
(abraçada com a filha)
‑
Oh
Maria, Maria... também tu me queres deixar!
Também tu me desamparas... e hoje!
Maria |
‑
Venho logo, minha mãe, venho logo. Olhai, e não tenhais
cuidado comigo: vai meu pai, vai o tio Jorge, e levo a
minha aia, a Doroteia... E, é verdade, o meu fiei
escudeiro há‑de ir também, o meu Telmo.
Madalena
‑ E
tua mãe, filha, deixa‑la aqui só, a morrer de tristeza?
(aparte) e de medo?
Manuel
‑Tua mãe tem razão; não
há‑de ser assim; hoje não pode ser.
(Maria fica triste e
desconsolada)
Jorge
‑ Ora
pois; eu já disse que não queria ver hoje ninguém triste
nesta casa. Venha cá a minha donzela
dolorida
(pegando‑lhe pela mão), e faça aqui muitas festas ao
tio frade, que eu fico a fazer companhia a sua mãe. E
vá, vá satisfazer essa louvável curiosidade que tem de
ir ver aquela santa freirinha
que tanto deixou para
deixar o mundo e se ir interrar num
claustro. Vá, e
venha... melhor de coração, não pode ser ‑ que tu és boa
como as que são boas, minha Maria; mas quero‑te mais
fria de cabeça, ouves?
Maria
(aparte)
‑
Fria!... quando ela estiver oca! ‑ (alto) Vou‑me
aprontar, minha mãe? Se teu pai quer...
Madalena
(sem
vontade)
Manuel
‑ Dou
licença: vai. (Maria sai a correr)
Joaquim
Matias da Silva
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