Todos os níveis de língua estão representados em Os
Maias, mas, de forma genérica, podemos referenciar
uma linguagem acessível, corrente, familiar mesmo, e
oralizante, esta última evidenciada pelo tom coloquial,
com as suas marcas muito específicas: repetições,
suspensões do enunciado, exclamações, reticências... Às
vezes deparamo-nos com o calão – excremento, cachaço,
focinheira, badameco, estuporada, fazer né-né, gajo,
trambolho... – ou com termos na altura menos próprios em
literatura – arrotar, cuspir, escarrar, vomitar,
nádegas, barriga...
As frases são normalmente curtas, sobretudo nos
diálogos, na ordem directa, com predominância da
coordenação.
Os neologismos também abundam, suscitando o cómico, o
pitoresco, a crítica cáustica e sarcástica. Esses
neologismos estão presentes nos substantivos (faiscação,
politicote...), nos adjectivos (escrevinhador,
chuviscoso...), nos verbos (gouvarinhar,
esverdinhar...), nos diminutivos (adulteriozinho,
excessozinho...) e nos advérbios de modo (gordamente,
animalmente, gordalhufamente...).
Abundantes são ainda os galicismos e outros
estrangeirismos: avenida, chaminé, conduta, detalhe,
champanhe, chique, bufete (hoje completamente integrados
e legitimados pelo uso corrente da língua), coupé,
boulevard, boulevarzinho, poseur, veston,
robe-de-chambre, cocottes, cache-nez, handicap, soirée,
rendez-vous, cachet, cigarette, toilette, dog-cart,
sportman, high life, gentleman, break... O recurso
ao estrangeirismo tem explicações e intuitos óbvios:
deve-se à inexistência na língua materna de termos ou de
construções frásicas adequados às ideias que se
pretendem transmitir, vem de encontro à ideia de
cosmopolitismo defendida pelos realistas ou então tem
uma intenção crítica (satirizam-se aqueles que se dão
ares de bem falantes e que querem parecer cultos ou
civilizados).
Também os modos de expressão são variados em Os Maias:
-
a descrição
(de interiores e exteriores);
-
o diálogo
(fluente, rápido, incisivo, quase sempre de
características irónicas);
-
o discurso indirecto livre
ou
semidirecto,
como variante do discurso directo e da simples narração.
Consiste em usar no discurso indirecto a elocução que em
discurso directo a personagem usaria no diálogo. Este
tipo de discurso é utilizado pelo narrador para informar
o leitor acerca do pensamento de uma personagem ou
acerca das palavras por ela proferidas. Desta forma, o
narrador aproxima-se da personagem, parecendo fundir-se
com ela, e o leitor participa imediatamente na vida
interior da personagem. Alguns exemplos: pp. 236, 333,
384, 621, 692.
As vantagens deste discurso indirecto livre ou "estilo
vivido" são evidentes:
• dá a possibilidade ao narrador de prescindir dos
verbos “declarandi” e da correspondente conjunção
integrante: disse, respondeu, afirmou, retorquiu,
disse que...
• a narrativa torna-se mais fluente, com maior ritmo e
artisticamente mais bem elaborada. A sua expressividade
será maior se aparecer articulada com os discursos
indirecto e indirecto;
• aproxima a expressão literária dos processos da
linguagem falada;
• impersonaliza a narrativa, dissimulando-se o narrador
por detrás das suas personagens.
Do discurso directo, o discurso indirecto livre mantém a
coloquialidade, através das interrogações, das
exclamações, das reticências e de expressões de apoio (“disse
/ asseverou / informou / concluiu … ele”).
Do discurso indirecto conservam-se o uso da 3.ª pessoa,
o pretérito imperfeito, o pretérito mais-que-perfeito, o
condicional e ainda os pronomes, determinantes e
advérbios que exprimem afastamento (esse, amanhã, logo,
imediatamente, etc.).
-
o monólogo interior directo
(Ex: quando João da Ega recebe o cofre-segredo das mãos
de Guimarães; quando Carlos tenta sem resultado
separar-se de Maria Eduarda – e as considerações que
esses acontecimentos suscitam nas respectivas
personagens);
-
o comentário
sobre as personagens e os mais variados campos
(literário, cultural, político, educacional...
OUTROS DESTAQUES LINGUÍSTICO-ESTILÍSTICOS:
1. O USO DO ADJECTIVO
O estilo queirosiano é fortemente impressionista, pois
em vez das coisas transmite a cada passo ao leitor as
impressões que as coisas produzem, a percepção imediata,
não intelectualizada, com o seu carácter fragmentário e
fugaz. Fenómenos físicos aparecem misturados com
fenómenos morais; o substantivo concreto aparece
qualificado com um adjectivo abstracto ou vice-versa.
Eça recorre, por isso, à hipálage (transposição do
qualificativo que corresponde ao sujeito para junto de
outro nome que está relacionado de qualquer modo com
ele). Vejamos alguns exemplos:
- “as tias fazendo as suas meias sonolentas”;
- “os castiçais sobre a mesa alumiavam o grande leito
triste de solteiro” (adjectivos de índole
psicológica, relacionados com substantivos físicos);
- “D. Eugénia deu uma malha indolente no croché”;
- “... e puxou-lhe uma fumaça furiosa”
(adjectivos com função de advérbio de modo);
- “Carlos olhando a fresca, honrada e roliça face de
demagogo.” (dois adjectivos de índole física e um de
índole psico1ógica, a qualificar um substantivo físico);
- “O pobre Bonifácio fugiu, obeso e lento”;
- “... passeava na livraria pesado e lento."
(dois adjectivos: um a modificar o sujeito; o outro o
verbo).
A adjectivação dupla, tríplice e até múltipla
também é frequente:
- “Vinha todo enlameado, desalinhado.";
- “Sovados, humilhados, arrasados, escalavrados
tínhamos de fazer um esforço para sobreviver.” (Ver
também esta frase como exemplo de prosa rimada);
- “Sua mãe rica, viúva e beata, retirada numa quinta
ao pé de Celorico de Basto com uma filha beata, viúva e
rica também.” (exemplo ainda de repetição e de
construção quiasmática).
2. O USO DO ADVÉRBIO
Constitui também um dos campos de experimentação
neológica, assumindo um papel relevante e novo na prosa
queirosiana. Ega faz derivá-los despreocupadamente de
adjectivos. A sua aparição também pode aparecer em forma
binária (“o relógio de Luís XV foi ferindo alegremente,
vivamente, a meia noite”) e até ternária (“estais ambos
insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente,
marchando um para o outro").
3. O USO DO VERBO TAMBÉM GANHA MUITA EXPRESSIVIDADE:
Eça faz uma cuidadosa selecção de verbos:
- “O que ele precisava antes de tudo era chicote –
rosnou Cruges.”
- “...um cavaleiro... pasmava languidamente para as
senhoras".
- Recorre à conjugação perifrástica (normalmente a
sugerir arrastamento ou realização gradual da acção), ao
perfeito (narrativo), ao imperfeito (descritivo), ao
presente do indicativo (para conferir mais vivacidade e
autenticidade à narrativa).
4. OUTROS RECURSOS ESTILÍSTICOS:
-
Ironia
(“os dois amigos beberam o champanhe que Jacob
arranjara ao Ega, para o Ega se regalar com Raquel”);
-
Elipse
( “E esse ano passou. Gente nasceu. Gente morreu”);
-
Sinestesia
( “ ... transparentes, novos dum escarlate
estridente.”, “luz macia”, “o som vermelho do clarim”);
-
Aliteração ou harmonia imitativa
(“Um rude trovão rolou, atroou a noite negra”, “e
as árvores, sob as janelas, ramalhavam num vasto vento
de Inverno”);
-
Diminutivo
(-inho) – ver exemplo da p.115;
-
Antíteses;
-
Paralelismos de construção;
-
Comparações;
-
Metáforas;
-
Repetições;
-
Personificações;
- etc., disseminados ao longo da narrativa.
(Ficha de
apoio elaborada sobretudo a partir da obra