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OS MAIAS - Plano simbólico

 

O simbolismo nesta obra queirosiana merece um tratamento especial. Para além dos símbolos de ordem social já estudados, quando se falou no espaço social e nas personagens, há outros símbolos que importa destacar:
 

O RAMALHETE (Velho - Restaurado - Abandonado) e tudo o que nele se integra ou rodeia:

O jardim e a estátua de Vénus Citereia (cap. I e XVIII)
A cascata (cap. I, XVII e XVIII)
O cipreste e o cedro (idem)
Os móveis do escritório de Afonso (cap. XVIII).

 

Somos confrontados, logo desde o início da obra, com uma casa abandonada, desabitada, de “fachada tristonha, jesuítica” (pág. 5). É que Afonso da Maia vive no retiro campestre de Santa Olávia, desde o momento em que a tragédia atingiu a família. O Ramalhete aparece-nos, pois, sem vida. Alguns anos depois, porém, surge-nos habitado, restaurado, preparado para receber Carlos, tornando-se símbolo da esperança e da vida. E   isto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lisboa: Rua de S. Francisco de Paula ou das Janelas Verdes, onde se situava o Ramalhete - princípios do séc. XX (fotografia, 1903)

porque Afonso depositava, agora, uma confiança cega nesse moço! Era ele que iria conduzir a família para um futuro esplendoroso. A estátua de Vénus e a cascata, no jardim, comungam desse entusiasmo. Tudo se transforma! É como que um renascimento.

 

Finalmente, a tragédia volta a abater-se sobre a família e eis a cascata chorando, esfiando as últimas gotas de água, a estátua coberta de ferrugem. Tudo aponta para um carácter funéreo, uma espécie de cemitério areado e limpo, tendo como guardas o cipreste e o cedro – árvores que, pela sua longevidade, significam a vida e a morte. Foram testemunhas de várias gerações dos Maias.

Os móveis do escritório de Afonso estão cobertos de panos brancos que são comparados a mortalhas com que se envolvem os cadáveres. A morte intala-se definitivamente nesta família. E se os Maias representarem Portugal, então a morte instalou-se neste país…
 

  A ESTÁTUA DE VÉNUS CITEREIA – ainda a respeito desta estátua, há a dizer que, numa primeira fase (pág. 5), ela aparece enegrecida, abandonada e esquecida, simbolizando a Maria Monforte, também ela uma “deusa”, uma “Ceres”, uma “Juno”, uma “Madona” e também ela esquecida, depois de muitas tentativas infrutíferas de encontrá-la. Numa segunda fase, a Vénus restaurada é o símbolo de Maria Eduarda, outra mulher apresentada e vista como uma “deusa”, uma “Diana”. Finalmente, a Vénus com ferrugem verde sobre “os grossos membros de deusa” volta a simbolizar a Maria Eduarda, mas agora já sem o seu perfil claro, a perfeição divina do seu corpo, a beleza das suas formas. É que depois do incesto consciente, Carlos começa a sentir uma certa saciedade e repugnância pelo seu corpo “forte de mais, musculoso, de grossos membros de amazona bárbara, com todas as suas belezas copiosas de animal de prazer”.

 

A TOCA e o seu recheio:
• “
O melhor é baptizá-la definitivamente com o nome que nós lhe dávamos. Nós chamávamos-lhe a Toca” (cap. XIII);
• “
Só o meter a chave devagar e com uma inútil cautela na fechadura daquela morada discreta, foi para Carlos um prazer” (cap. XIII);
• “
Uma tarde, (…) experimentaram ambos essa chave” (cap. XIV);
• “
Mas depois o quarto que devia ser o seu, quando Carlos lho foi mostrar, desagradou-lhe com o seu luxo estridente e sensual. Era uma alcova recebendo a claridade de uma sala forrada de tapeçarias, onde desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte” (…); “e àquela hora, batida por uma larga faixa de sol, a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profanado, convertido em retiro lascivo de serralho (…)”; ”(…) onde se distinguia uma cabeça degolada”; “ (…) uma enorme coruja fixava, no leito de amor, os seus dois olhos redondos e agoirentos”; “o famoso armário, o “móvel divino” de Craft (…) na base quatro guerreiros (…) a peça superior era guardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas (…) espigas, foices, cachos de uvas e rabiças de arados (…) dois faunos, recostados em simetria, indiferentes aos heróis e aos santos (…) mas o que mais lhe agradou foram as belas faianças (…); “ Era ao centro um ídolo japonês de bronze, um Deus bestial” (cap. XIII).
 

TOCA é o nome dado à habitação de certos animais, o que, desde logo, parece simbolizar o carácter animalesco deste relacionamento amoroso. Carlos introduz a chave no portão da Toca com todo o prazer, o que sugere não só o símbolo do poder mas também o do prazer das relações incestuosas; da segunda vez que se alude à chave, os dois experimentam-na. É evidente que a chave se torna, então, símbolo da mútua aceitação e entrega.

Os aposentos de Maria simbolizam o carácter trágico da sua relação, a profanação das leis humanas e cristãs, a sensualidade pagã e excessiva. São o prenúncio da colisão violenta da situação incestuosa com valores e normas morais de inspiração sagrada.

Os guerreiros simbolizam a heroicidade; os evangelistas, a religião; e os troféus agrícolas, o trabalho – qualidades que terão existido um dia nesta família (e em Portugal) e que agora estão daí completamente arredadas.

Os dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e desprezadora de tudo e de todos. São símbolo da atracção sexual.

O ídolo japonês remete para a sensualidade exótica, heterodoxa, bestial desta ligação incestuosa. É a representação de tudo quanto de anormal há no incesto.
 

AFONSO DA MAIA é ele próprio o símbolo dos Afonsos do antanho. É uma síntese das virtudes mais autênticas da raça, imobilizadas e esterilizadas pela torpeza de um mundo que nem as conhece nem as quer entender. Quando morre, a sua figura como se agiganta e converte em estátua. Mas com ele cai também o Ramalhete e a grandeza simbolizada nas suas velhas armas, para sempre cobertas de ferrugem.
 

A ESTÁTUA TRISTE DE CAMÕES (pág. 697) – é o símbolo de um passado grandioso, expansionis-ta, nostálgico, por oposição a um passado absolutista ainda recen-te e a um presente estagnado, cultural e ideologicamente ultra-passado.
 

Lisboa: Praça e monumento de Luiz de Camões
(Fotografia, Moreira, 1868). In Album, Moreira Photographo

 

OS TRÊS BELOS LÍRIOS que murchavam em casa de Maria Eduarda – são símbolo da pureza que se está a desvanecer, a murchar. Não indiciarão eles também a desgraça que se abaterá sobre os três Maias (Afonso, Carlos, Maria Eduarda), devido à relação que vai nesse dia começar a estabelecer-se entre os dois últimos?

AS
CORES: o VERMELHO (cap. I, VI, XI …), o AMARELO e o DOURADO (cap. I, VI, XII…), o NEGRO (cap. I, III, VII…) e o ROSA.

O jogo cromático é uma  constante  ao

longo de Os Maias, cumprindo não  apenas os postulados do impressionismo mas ainda os do simbolismo.

A cor vermelha é a cor do sangue (= morte e vida), da paixão, do sentimento. Tem um carácter duplo: ora feminina e nocturna, de poder centrípeto; ora masculina e divina, de poder centrífugo. Maria Monforte e Maria Eduarda são portadoras de um vermelho feminino, fogo que desencadeia a libido, despertam a sensualidade à sua volta. Espalham, outrossim, a morte. É que a paixão excessiva é destruidora. Provoca o suicídio em Pedro, a morte de Afonso e o desejo de morte em Carlos. Os olhos vermelhos do avô, caminhando para a morte, vararam Carlos de tal forma que este pensou demoradamente na morte.

 

O vermelho da casa de Ega – a Vila Balzac – é tão intensivo que indicia a dimensão essencialmente libidinosa, carnal e efémera dos encontros de amor com Raquel Cohen.

 

O tom amarelo e dourado está também omnipresente. O amarelo, cor da luz, do ouro e da intuição, indicia o carácter ardente da paixão. É uma cor dupla: luz do ouro – de essência divina – e luz da terra – Verão e Outono. No primeiro caso, é a cor dos deuses, veículo do poder, da juventude e da eternidade; no segundo, é anunciadora da velhice, do Outono, da proximidade da morte. Morte claramente prefigurada na cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora.

 

Maria Monforte e Maria Eduarda, mãe e filha, conjugam estas três cores: cabelos de ouro, olhos pretos e leque negro pintado de flores vermelhas, sombrinha escarlate. Elas são a vida e a morte, o divino e o humano, a aparência e a realidade; a força que se torna fraqueza.

O rosa é uma outra cor várias vezes referida em Os Maias. Sendo uma mistura do vermelho e do branco, essa cor transporta em si o significado inerente ao vermelho e ao branco. Por isso, simboliza, simultaneamente, o profano e o divino, a paixão e a pureza, o amor transcendente e a sabedoria divina, o amor puro manchado pela busca da satisfação carnal.

O
TEMPO NOS “EPISÓDIOS DA VIDA ROMÂNTICA”
 

Os Episódios da Vida Romântica reflectem o momento em que, desnorteados, os Portugueses se olham, incapazes, perante a derrocada, o marasmo, na prática, dos ideais de um liberalismo irrealista e constantemente deturpado.

Os anos passam, as crises políticas sucedem-se, os Ministérios são sistematicamente renovados, as reformas não se realizam, os belos projectos nunca se concretizam, tudo continua na mesma, um vazio apodera-se das personagens. Por isso se poderá dizer que a um nível profundo da sua significação o tempo de Os Maias não existe, ou antes, não funciona. Perdidos na vida, homens sem futuro, um profundo sentimento de frustração, de impossibilidade e de niilismo domina as personagens. Através da cena cómica final da corrida desenfreada para chegar a tempo a um jantar, símbolo da inutilidade dos seus múltiplos anseios, Carlos e Ega dão a prova cabal da não evolução no tempo dos representantes da época que o autor procurou retratar.


(in “Introdução à Leitura de Os Maias”, de Carlos Reis, e “Aula Viva” –
Português A, 12º ano, Porto Editora –, com adaptações)
 

Joaquim Matias da Silva

 

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