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Noção de epopeia e as fontes da obra camoniana -
Pertencente ao género narrativo, a epopeia constitui o
relato de um acontecimento grandioso. Com efeito, o
sujeito da enunciação assume-se como um narrador que
apresenta a um público mais ou menos alargado (o número
de leitores depende, como é lógico, da feição
regionalista, nacionalista ou mais transnacional do
assunto abordado) uma história que, pelo seu grau de
excepcionalidade, se distancia dos eventos vulgares,
sejam eles reais ou "fingidos".
Nas epopeias primitivas os feitos narrados são,
essencialmente, de carácter lendário, embora a
ficção tenha sempre um fundo histórico. Em
algumas epopeias de imitação, no entanto, o
assunto é histórico.
Entretanto, se os eventos são excepcionais,
também os heróis aí cantados têm de, pela sua
origem, pelas suas virtudes e pelas suas
façanhas, sair da vulgaridade, sejam eles heróis
individuais ou heróis colectivos. Assim, na
Ilíada e na Odisseia, escritas no
século VI a.C., o herói é individual: num caso,
Aquiles; no outro, Ulisses. N' Os Lusíadas,
por seu lado, o herói é, como o título indica,
colectivo – o povo português. Já na Eneida, de
Virgílio, há uma certa ambiguidade: o herói
parece ser individual, Eneias, mas na realidade
o objectivo do poema é exaltar o povo romano.
Característica de todas as epopeias é a
utilização de um estilo elevado, a condizer com
a grandiosidade do assunto, o que se traduz numa
cuidada e variada selecção vocabular, num ritmo
majestoso e heróico do texto (versos
decassilábicos heróicos) e na construção frásica
extremamente elaborada e artística.
As epopeias primitivas foram longas narrativas
orais de feitos considerados notáveis e
realizados por homens dotados de força superior
demonstrada no campo das batalhas.
Evelyn de Morgan (1898). Helena de Troia
O povo grego teve as suas epopeias
- A ODISSEIA E A ILÍADA -
Durante muito tempo atribuiu-se a sua autoria a um poeta
cego chamado Homero. Hoje, porém, formulam-se várias
hipóteses sobre essa autoria, ganhando raízes a que as
atribui a um autor colectivo popular, sendo que são
ambas consideradas produções do séc. VIII a.C.
A
Odisseia
conta o regresso do herói Ulisses (Odysseus), após a
guerra de Tróia, e a luta que teve de empreender para
recuperar os seus direitos de rei da cidade grega Ítaca
(situada numa ilha do mar jónio, na costa ocidental da
Grécia) e de marido de Penélope. Vítima da ira do deus
Poseidon, Ulisses navega ainda errante pelos mares dez
anos depois de concluída a guerra de Tróia. Entretanto,
Penélope, a esposa fiel, espera em Ítaca o seu regresso.
Perseguida por vários pretendentes, recorre a um
estratagema para atrasar a escolha de um novo esposo:
desfaz durante a noite a urdidura que teceu durante o
dia, pois, para evitar males maiores, prometeu vir a
casar-se uma vez terminado o seu trabalho. Os deuses
apiedam-se de Ulisses, prisioneiro na ilha da ninfa
Calipso, que se apaixonou por ele, e autorizam-no a
continuar o seu caminho sob a protecção de Atena. No
entanto, uma tempestade faz naufragar o navio em que
viaja e as vagas arrojam-no, nu e exausto, às praias de
uma ilha onde Náusica, filha do rei Alcino, o toma a seu
cuidado. Durante a sua estada nesta ilha, Ulisses faz o
relato das aventuras e obstáculos que tivera de vencer
nos longos anos da sua vida errante, destacando-se os
episódios do gigante Polifemo, que o herói cegou
trespassando-lhe o olho com uma vara aquecida ao rubro,
o da feiticeira Circe e o das sereias.
Após muitas peripécias, o herói chega finalmente a Ítaca.
Face aos rumores que correm na cidade sobre o seu
regresso, disfarça-se de mendigo e assim se dirige ao
palácio, onde só o reconhecem Argos, o seu fiel cão, e
Euricleia, que foi sua ama. Descobre então que Penélope
prometera casar com quem fosse capaz de dobrar o arco
que o marido lhe deixara. Todos os pretendentes
fracassam na tentativa, menos o mendigo que, dando-se a
conhecer, mata todos os seus rivais.
Na sua longa viagem pelo mar, Ulisses terá passado pelo
local onde se situa actualmente a cidade de Lisboa,
fundando, segundo a lenda, esta cidade: ULISSES>
OLISSIPO> LISBOA.
Daí a razão por que os habitantes de Lisboa também se
chamam olissiponenses.
A
Ilíada
apresentra Aquiles como o mais notável guerreiro grego
que participou na guerra de Tróia. Quando nasceu, a sua
mãe mergulhou-o no rio Estige, tornando-o, assim,
invulnerável, com excepção do calcanhar, por onde ela o
tinha segurado. Aliás, será pelo calcanhar que será
morto por Páris. Foi educado por Fénix e pelo centauro
Quíron. Personifica a força e a valentia. Ulisses
descobriu-o na ilha de Ciro, onde Tétis o escondera, e
conduziu-o até à cidade de Príamo.
A Ilíada narra o combate dos Gregos junto de
Tróia, durante a retirada de Aquiles. A acção decorre no
último ano da guerra de Tróia e é limitada a poucas
semanas, terminando antes da tomada da cidade. A
narrativa épica inicia-se quando Crises, sacerdote de
Apolo, pede ao chefe dos Aqueus que lhe seja entregue
sua filha Criseida, prisioneira de guerra. O chefe
Agamémnon, a quem ela fora atribuída, recusa e, a pedido
de Crises, Apolo lança sobre os Gregos a peste, como
castigo. Divulgada por um adivinho a razão da cólera de
Apolo, Aquiles discute acerbamente com Agamémnon, que
aceita entregar a cativa em troca de Briseida, cativa de
Aquiles. Este acede mas, ferido na sua honra, deixa de
combater e pede a sua mãe, a deusa Tétis, que consiga de
Zeus que os Gregos sejam castigados. Os Aqueus sofrem
vários reveses e todas as tentativas para demover a
cólera de Aquiles são infrutíferas. Todavia, quando o
seu grande amigo, Pratocolo, sucumbe às mãos do
guerreiro troiano Heitor, Aquiles decide voltar a
combater para o vingar. E o poema fecha com o triunfo de
Aquiles que mata Heitor, depois de o ter arrastado à
volta dos muros de Tróia, preso ao seu carro, e,
simultaneamente, com as pompas fúnebres prestadas à
heróica figura de Heitor.
Corpo de Heitor a ser levado de volta a Troia – Alto
relevo romano em mármore, detalhe de um sarcófago.
O tema aglutinador da obra é, pois, a cólera de Aquiles
contra Agamémnon.
Esta epopeia é considerada como um excelente retrato da
civilização pré-helénica e é nela que se situa o famoso
episódio do cavalo de Tróia.
O que caracteriza estas duas epopeias é a noção de
herói, cuja estatura supera os homens e implica o
sacrifício da própria vida, e a arte incomparável de
contar. Elas constituem o ponto culminante de uma longa
e ininterrupta tradição oral e o seu mais esplêndido
fruto.
O povo romano teve a sua epopeia
- A ENEIDA -
Poema composto por Públio Virgílio Marão (70 – 19 a.C.),
narra as viagens, os combates e o sofrimento do herói
Eneias, filho de Anquises e de Afrodite (Vénus), e dos
seus companheiros. Eneias fugiu de Tróia em chamas,
acompanhado pela mulher e pelo filho, levando o pai às
costas. Durante esta fuga, a mulher foi morta.
Juntamente com outros troianos, armou uma frota e fez
rumo à Sicília. Apanhado por uma tempestade, provocada
por Juno, Éolo, o rei dos ventos, fez com que o seu
barco aportasse em Cartago, onde ficou retido longo
tempo pela rainha Dido, que por si se apaixonou
perdidamente. Quando, por fim, conseguiu escapar, rumou
à Itália e atracou em Lácio. Desposou Lavínia, filha do
rei Latinus, e acabou por morrer em combate com os
Etruscos.
Frederico
Barocci (1598). Eneias foge de Troia, em chamas.
Eneias transportou para o Lácio os deuses ancestrais. O
seu filho Ascânio fundou Alba Longa, cidade sobre a qual
Roma viria a ser construída, e daí o facto de os romanos
se considerarem seus descendentes.
Através da Eneida, a História de Roma fica
indelevelmente entroncada na História de Tróia e este
poema nacional de Roma veio preencher o vácuo doloroso
para o orgulho romano que era a ausência de qualquer
grande obra histórico-mítica que se pudesse comparar com
a Ilíada e a Odisseia gregas.
A Eneida é um poema de imitação dos modelos
gregos e modelo d’ Os Lusíadas.
A Idade Média teve as suas epopeias
- CANTAR DE MIO-CID E CHANSON DE ROLAND -
Durante a Idade Média, os géneros clássicos sofreram um
certo eclipse. Todavia, os cantares de gesta, narrativos
de factos histórico-lendários, abundaram na Europa. Os
mais conhecidos são o Cantar de Mio-Cid e a
Chanson de Roland, dos finais, segundo se crê, do
séc. XI.
A epopeia na Idade Média apresenta-se estreitamente
vinculada a grandes ideais éticos e religiosos,
nomeadamente as cruzadas.
Com o Renascimento, a cultura greco-latina é reconhecida
e a composição da epopeia torna-se uma das ambições dos
humanistas.
Para além dos poemas romanescos Orlando Enamorado,
de Boiardo, e Orlando Furioso, de Ariosto,
Torquato Tasso compôs uma grande epopeia:
Jerusalém Libertada. Mas embora grandioso, o
tema das Cruzadas já não exprimia o sentimento dos
humanistas. Numa época de afirmação dos homens, só um
acontecimento mobilizador da confiança do seu destino
histórico de senhor da Natureza poderia ombrear com os
feitos grandiosos dos Antigos.
Camões realizou esse sonho ao escrever Os Lusíadas.
Com efeito, a descoberta geográfica do mundo é o
acontecimento máximo da história nacional e europeia e a
demonstração de que uma nova era tinha começado.
EPOPEIAS CLÁSSICAS, MEDIEVAIS E RENASCENTISTAS (sinopse)
EPOPEIAS
DATA
AUTOR
ASSUNTO
ODISSEIA
VIII
a. C.
Homero (?)
Em 24 cantos (tantos quantas
as letras do alfabeto grego) narram-se as
aventuras de Ulisses no regresso da guerra de
Tróia, até chegar a Ítaca.
ILÍADA
VIII
a. C.
Homero (?)
Aventuras de Aquiles, durante
o último ano da guerra de Tróia. Também é
constituída por 24 cantos.
ENEIDA
I a. C.
Virgílio
(70 – 19 a.C.)
Aventuras de Eneias e
fundação de Roma. Tem 12 cantos.
CANTAR DE MIO-CID
XI d. C.
?
Luta contra os Mouros. Três
cantares.
CHANSON DE
ROLAND
XI d. C.
?
Narração da derrota infligida
pelos Bascos à retaguarda do exército de Carlos
Magno, em 777, em Roncesvales, passagem dos
Pirenéus.
ORLANDO ENAMORADO
XV
Boiardo(1441-1494)
Aventuras cavaleirescas e
amorosas. Lutas entre cristãos e mouros. 69
cantos.
ORLANDO FURIOSO
XVI
Ariosto
(1474-1533)
Aventuras cavaleirescas e
amorosas. Lutas entre cristãos e mouros. 46
cantos.
OS LUSÍADAS
XVI
Camões
(1525?-1580)
Os feitos gloriosos dos
portugueses, culminados com a descoberta do
caminho marítimo para a Índia.
JERUSALÉM LIBERTADA
XVI
Torquato Tasso
(1544-1595)
Conquista da Palestina por
parte do exército da 1ª Cruzada, tendo como
herói Godofredo de Bulhões.
PRINCIPAIS
FONTES DE OS LUSÍADAS
1.
Epopeias anteriores
EPOPEIAS CLÁSSICAS
EPOPEIAS DE IMITAÇÃO
EPOPEIAS DO RENASCIMENTO
AUTORES PORTUGUESES
ILÍADA
ODISSEIA
ENEIDA
ORLANDO
ENAMORADO
ORLANDO
FURIOSO
JERUSALÉM
LIBERTADA
CANCIONEIRO GERAL
A
TRAGÉDIA CASTRO
HOMERO
(?)
VIRGÍLIO
BOIARDO
ARIOSTO
TORQUATO
TASSO
GARCIA DE
RESENDE
ANTÓNIO
FERREIRA
2.
Fontes históricas
HISTÓRIA
DE PORTUGAL
F. Lopes de
Castanheda – História do Descobrimento e
Conquista da Índia
João de
Barros – Ásia
Duarte
Galvão – Crónica de D. Afonso Henriques
Rui de Pina
– Crónicas ( de vários reis)
Fernão
Lopes – Crónicas de D. Pedro, de
D. Fernando, de D. João I