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ANÁLISE DO SONETO

 

- Alegres campos, verdes arvoredos -

 

Alegres campos, verdes arvoredos,
claras e frescas águas de cristal,
que em vós os debuxais ao natural,
discorrendo da altura dos rochedos;

silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual,
sabei que, sem licença de meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos.
 

E pois me já não vedes como vistes,
não me alegrem verduras deleitosas
nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,
regando-vos com lágrimas saudosas,
e nascerão saudades de meu bem.


 

Notas: VV. 1 a 3 - Entenda-se: as águas cristalinas refletem campos e arvoredos; V. 3 - debuxais: retratais, refletis; V. 4 - discorrendo: correndo para diversas partes, precipitando-se; V. 6 - Entenda-se: irregularmente dispostos; V. 6 - concerto: harmonia; V. 7 - licença: permissão;  V. 8 - ledos (latinismo): alegres; V. 10 - deleitosas: agradáveis; V. 14 - meu bem: minha amada.

 

 

 

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Algumas linhas de leitura:

 

1. ASSUNTO: A ausência da amada faz com que o eu lírico veja a natureza com olhos tristes («pois me já não vedes como vistes»), à boa maneira petrarquiana, restando-lhe apenas semear nela «lembranças» também «tristes», regá-la «com lágrimas saudosas», a fim de poderem nascer saudades de seu bem.

 

2. ATENTE:

 

a) Na interpelação apostrófica da Natureza que, ao tomar nota das confissões de amor, nos faz lembrar a intimidade espontânea com ela existente em alguns Cantares de Amigo:

« Ay flores, ay flores do verde pinho,

se sabedes novas do meu amigo!

ay Deus e hu é?


Ay flores, ay flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado!

ay Deus e hu é?


b) No animismo que envolve todo o texto, pois o sujeito poético não só se dirige à paisagem, mas também lhe comunica os seus sentimentos.


c) Na metáfora em «
águas de cristal» (v. 2); no emprego, também em sentido metafórico dos verbos semear, regar e nascer (último terceto), conjugados com nomes de índole moral (lembranças / lágrimas / saudades); e no oxímoro em «concerto desigual» (v. 6).


d) No emprego do modo conjuntivo (v. 10) a indicar um desejo, assim como os modificadores a precederem o nome, segundo o gosto clássico.


e) No ritmo lento e prolongado no último terceto — veja-se o gerúndio (
regando-vos) e os sons nasais  /-ão/ ou /-am/ e /- em /, para melhor traduzirem a tristeza e o desalento do eu da enunciação.


f) No contraste entre a natureza alegre, colorida, esplendorosa e variada (locus amoenus), à maneira clássica, e a natureza selvagem e agreste, de feição romântica (locus horrendus), tal como é apresentada nos dois primeiros versos de cada uma das quadras, respetivamente.


g) Na oposição entre o presente (
vedes) e o passado (vistes) - 1.º verso do 1.º terceto.


h) No jogo maneirista de variantes da mesma palavra como processo de intensificação lógica (
vedes / vistes; saudosas / saudades).


3. ESQUEMA RIMÁTICO: ABBA / ABBA / CDE / CDE, com rimas interpolada e emparelhada, nas quadras; interpolada, nos tercetos; consoante ao longo de toda a composição e alternando entre masculina ou aguda e feminina ou grave, com primazia para esta última.
 

BRAGANÇA, António (1981). Textos e comentários, c/ adaptações.
 

Publicado por

Joaquim Matias da Silva

 

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