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ANÁLISE DO SONETO

 

- Está o lascivo e doce passarinho -

 

Está o lascivo e doce passarinho
Co'o biquinho as penas ordenando,
O verso sem medida, alegre e brando,
Espedindo no rústico raminho.

 


O cruel caçador, que do caminho
Se vem, calado e manso, desviando,
Na pronta vista a seta endireitando,
Lhe dá no Estígio lago eterno ninho.

Dest'arte o coração, que livre andava,
(Posto que já de longe destinado),
Onde menos temia, foi ferido.
 


Porque o Frecheiro cego me esperava,
Para que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.
 

Camões, Luís de, 1994. Rimas. Coimbra: Almedina


Notas: V. 1 - lascivo (latinismo): brincalhão, alegre, descuidado; V. 1 - doce: afetuoso, terno; V. 2 - ordenando: pondo em ordem; V. 3 - verso: canto; V. 3 - sem medida: livre de regras fixas, espontâneo; V. 4 - espedindo: soltando; V. 6 - calado e manso: calada e mansamente; V. 7 - pronta vista: pontaria certeira; V. 8 - Estígio lago: rio que corria para o inferno (por extensão, o próprio inferno); V. 11 - onde: quando; V. 12 - Frecheiro cego: Cupido, deus do amor; V. 14 - claros: lindos.

 

 

 

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Algumas linhas de leitura:

 

1. ASSUNTO: Assim como o alegre passarinho, descuidado no ramo em que poisara, é ferido de morte pelo cruel caçador, assim também o coração do eu lírico foi ferido inopinadamente por Cupido, que se alojara escondido nos «claros olhos» da sua amada.
 

2. ATENTE:


a) Nas duas partes lógicas em que pode ser dividido o discurso, correspondendo a primeira às duas quadras (descrição na primeira e narração na segunda) e a outra, de características narrativas, aos tercetos;


b) Na expressão
dest'arte que não só estabelece a ligação entre ambas as partes, mas também inicia os segundos termos da comparação.


c) Na correlação existente entre o primeiro e o segundo termos da comparação, a nível ideológico (passarinho = sujeito poético):

 

1.º termo da comparação

2.º termo da comparação

Passarinho

espedindo o verso sem medida

calado e manso

cruel caçador

dá no Estígio lago eterno ninho

coração

andava livre

escondido

Frecheiro

cego foi ferido


c) Na correlação existente entre o primeiro e o segundo termos da comparação, a nível dos elemento que constituem a narrativa, já que o soneto apresenta um caráter narrativista:

 

Elementos da narrativa

1.º termo da comparação

2.º termo da comparação

PERSONAGENS

caçador (sujeito)

passarinho (objeto)

Frecheiro (sujeito)

coração (objeto)

AÇÃO

o caçador dá-lhe eterno ninho no Estígio lago

o Frecheiro fere o coração do eu lírico

ESPAÇO

no rústico raminho (passarinho),
desviando do caminho (caçador)

em vossos claros olhos escondido

TEMPO

(quando) espedia o verso

sem medida

(quando) andava livre...

descuidado


e) No emprego do diminutivo na 1.ª quadra (
passarinho / biquinho / raminho) a despertar o sentimento de piedade e de compaixão perante a ação que vai desenrolar-se na 2. ª quadra, assim como o da aliteração no primeiro verso, cujos sons (lascivo / doce) traduzem suavidade e ternura.


f) No tom fatalista na interpretação do amor («
já de longe destinado»), tão próprio da lírica de Camões.


g) No valor expressivo dos seguintes registos figurativos: o eufemismo e a perífrase a ele aliado no verso oitavo.
 

3. ESQUEMA RIMÁTICO: ABBA / ABBA/ CDE / CDE, com rimas interpolada e emparelhada, nas quadras; interpolada, nos tercetos; consoante ao longo de toda a composição e  feminina ou grave, esta última a sugerir a submissão total do eu lírico ao amor (sua amada), que lhe fere drasticamente o coração.

 

BRAGANÇA, António (1981). Textos e comentários, c/ adaptações.
 

Publidaco por

Joaquim Matias da Silva

 

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