con nossas madres, e elas enton
queimen candeas por nós e
por si
e nós, meninhas,
bailaremos i.
Nossos amigos todos lá irán
por nos veer, e andaremos nós
bailando ante eles, fremosas en cós,
e nossas madres, pois que alá van,
queimen candeas por nós e
por si
e nós, meninhas,
bailaremos i.
Nossos amigos irán por cousir
como bailamos, e podem veer
bailar moças de bon parecer;
e nossas madres, pois lá queren ir,
queimen candeas por nós
e por si e nós, meninhas, bailaremos i.
Pêro Viviãez - CV 336, CBN 698
Notas:
V. 1 - madres: mães; V. 2
- candeas queimar: acender velas para
cumprir promessas; V. 3 - meninhas:
meninas; V. 3 - punhemos: esforcemo-nos,
procuremos; V. 6 - i: aí; V. 9 - en cós: em corpo
bem feito (sem manto); V. 13 - cousir:
ver, admirar.
Ilha de
S. Simion
QUESTIONÁRIO
1. Quais são os verdadeiros objetivos que incitam as
donzelas desta cantiga a irem à romaria de San Simon?
Como é que esses objetivos se vão revelando gradualmente
ao longo do texto?
2. As donzelas acabarão por ir à romaria não por força
das suas próprias motivações, mas por motivações
diferentes. Quais? Transcreva três versos que possam
justificar a sua resposta.
3. Faça um estudo da linguagem e estilo do texto a nível
morfossintático e a nível semântico.
4. Estude agora os aspectos fónicos desta cantiga
(coplas, metro, rima, ritmo, musicalidade). Relacione
estes aspetos fónicos com a expressão da mensagem.
5. Que influências provençais pode encontrar nesta
cantiga de amigo?
RESPOSTAS
1. Os verdadeiros objetivos que levavam as donzelas à
romaria eram o de dançar perante os seus namorados e o
de serem admiradas por eles. Esses objetivos vão-se
revelando gradualmente ao longo do texto. Assim, na
primeira copla, as donzelas afirmam que irão com as mães
à romaria, para lá bailarem. Na segunda, já afirmam que
dançarão perante os seus namorados ("andaremos nós
bailando ante eles"). Finalmente, na última
estrofe, as donzelas afirmam que os namorados irão lá
para ver como elas bailam e como são belas ("como
bailamos... moças de bom parecer").
2. As donzelas irão à romaria porque vão lá as suas
mães. Ora as motivações que lá levariam suas mães eram
motivações religiosas: cumprir as suas promessas ("candeas
queimar"). Serão, portanto, as motivações das
mães a causa da ida à romaria. Note-se que a cantiga
começa por uma oração subordinada causal, precisamente
para realçar o verdadeiro motivo da ida à romaria: "Pois
nossas madres van a San Simon / de Vai de Prados candeas
queimar / nós as meninhas, punhemos de andar...". Quer
isto dizer que as donzelas não iriam à romaria se as
mães lá não fossem. Daí a pontinha de velhacaria irónica
que vai em certas afirmações das moças, como nesta: "e
nossas madres, pois lá querem ir, / queimen candeas por
nós e por si".
3. Fazendo um levantamento dos substantivos do texto (madres,
San Simon, Val de Prados, candeas,
meninhas, amigos, cós, moças,
parecer), notamos que se trata de um vocabulário
popular e sobretudo com um tom ou colorido epocal.
Veja-se que é muito vulgar, na poesia trovadoresca, o
uso do infinitivo parecer como
substantivo: o bon parecer das moças, isto é, a
sua beleza. E é interessante reparar que os dois únicos
adjetivos do texto (fremosas e bon)
estão ligados ao bon parecer das meninas.
Há, portanto, a intenção de vincar a beleza das
donzelas, o fulcro e a razão do amor. Com efeito, se os
poetas punham os dizeres na boca das raparigas, a
verdade é que era essa também uma forma de eles
exprimirem, indirectamente, a sua admiração e o seu amor
por elas.
Uma certa feição popular do texto manifesta-se
ainda pela abundância, por vezes redundante, de formas
pronominais (nossas, nós, si,
nossos, eles, elas, todos) e
adverbiais (i, lá, enton, ante,
alá, mui).
Também o uso dos modos e tempos verbais dá ao
texto uma certa cor popular. Repare-se que se emprega o
presente logo no primeiro verso (van) com
o valor de futuro (irão). As donzelas dizem vão
em vez de irão, porque se pretende apresentar um
facto como certo: vão, isto é, estão já a ir. Era este
facto certo que daria às moças a oportunidade de irem à
romaria, de dançarem e de serem observadas pelos
namorados. Daí o emprego do futuro (irán,
andaremos nós bailando). Mas como as moças viam essa
possibilidade futura já como uma certeza presente,
aparece, de novo, na terceira copla, o presente com
valor de futuro (bailamos, podem veer).
Finalmente, atente-se no valor exortativo dos
conjuntivos: punhemos d'andar, queimen.
O predomínio da coordenação (parataxe) sobre a
subordinação (hipotaxe) é também uma marca de linguagem
popular e arcaica. Notemos a abundância de orações
coordenadas copulativas (sobretudo sindéticas).
Encontramos apenas duas orações subordinadas, de sentido
causal ("Pois nossas madres van a San Simon", "pois
que alá van", "pois lá queren ir"). Frise-se
a expressividade especial da primeira oração causal a
preceder a subordinante e a dar começo ao texto. É que o
facto de as mães irem à romaria é que permitirá a folia
das moças.
Como aspectos semânticos, destaquemos vários
casos de iteração (nossas madres, nossos amigos,
nossas madres, nossos amigos), para realçar os
intervenientes da ação; o polissíndeto ("e elas enton
queimen ...", "e nós meninhas bailaremos i"),
para salientar a sucessão de ações interdependentes; a
variação de formas do verbo bailar
(poliptoto) - bailaremos, bailando,
bailamos, bailar -, evidenciam a ação
principal: a folia das moças. Para salientar uma certa
brincadeira atrevida das moças, temos a ironia: "queimen
candeas por nós o por si" (três vezes). Há ainda
conotações com certa graciosidade: queimar candeas
- cumprir promessas; meninhas - donzelas
formosas; de bom parecer - formosas, que
despertam o amor.
4. A cantiga é constituída por três coplas de
quatro versos, seguidos de refrão de dois versos. Os
versos são decassílabos agudos, de ritmo binário. A rima
distribui-se segundo o seguinte esquema rimático: abbaCC
/ deedCC / fggfCC. O refrão é monórrimo. Os versos, com
os acentos dominantes na quarta e décima sílabas,
produzem uma cadência de ritmo binário, muito apropriada
ao canto e à dança. Sente-se, ao longo do poema, uma
musicalidade muito agradável, provocada sobretudo pela
admirável combinação alternante de sons fechados e
abertos, pelo predomínio de sons agudos, sobretudo no
fim dos versos, pela alternância de polissílabos e
monossílabos, por algumas aliterações em /-k/, em /-s/ e
em /-p/:
candeas
queimar,
queimen,
candeas,
por
nós e
por
si.
Há ainda que assinalar o transporte, verificado nos
versos: 1-2, 2-3, 3-4, 4-5,7-8, 8-9, 13-14, 14-15 e
6-17, sugerindo a continuidade dos movimentos rítmicos
das donzelas a dançar, logo, a sua alegria ou folia.
Como vimos, há no texto, ao mesmo tempo,
harmonia e variabilidade de sons, há um ritmo
marcadamente binário, há sobretudo um refrão acabado,
nos dois versos, em som agudo. Todas estas
caraterísticas fónicas se adaptam à expressão de uma
mensagem alegre, num texto destinado a ser cantado e
dançado.
5. Embora as cantigas de amigo sejam de origem
peninsular, sofreram algumas influências das cantigas de
amor, originárias da Provença. Assim, nesta cantiga,
verifica-se apenas um paralelismo muito rudimentar e
imperfeito (o verso quatro de todas as coplas e o verso
primeiro das segunda e terceira estrofes). A redução, ou
anulação total, do paralelismo é influência das cantigas
de amor, pois sabe-se que era de mestria a poesia
provençal. É também de influência provençal a palavra cós que veio de cors (provençal), que,
por sua vez, veio do latim corpus, como se o
movesse o amor do amor mais do que o amor a uma mulher.
E não só a esta dirigem os poetas as suas implorações,
queixas ou graças, mas ao próprio Amor personificado,
figura de retórica muito comum entre os trovadores
provençais e por eles transmitida aos
galego-portugueses. O amor reina, até, numa Vila ideal,
com as suas cortes, os seus foros e leis.
O trovador imaginava a dama como um suserano a
quem "servia" numa atitude submissa de vassalo,
confiando o seu destino ao "bon sen"da "senhor".
BORREGANA, António, Textos em análise, c/
adaptações.
A. J. Saraiva, História da Literatura
Portuguesa.
(prova de exame nacional de Literatura Portuguesa, código 734, 2007,
1.ª
fase)
Apresente, de forma estruturada, as suas respostas ao
questionário.
1. Indique quatro características temáticas do poema que
contribuem para a sua inserção no género das cantigas de
amigo.
2. Analise as relações, formais e semânticas, existentes
entre o conjunto de versos 7, 8, 9 e o conjunto de
versos 13, 14, 15.
3. Compare, apoiando-se em elementos do poema, os
objectivos das raparigas e os das suas mães,
relativamente à romaria.
4. Neste género de cantigas é, muitas vezes, recriado um
ambiente sensual, ainda que de forma mais ou menos
discreta. Comente, desse ponto de vista, a cantiga de
Pero de Viviães, explicitando três dos aspectos
indiciadores do tipo de ambiente referido.
CENÁRIOS DE RESPOSTA:
1. Na resposta, podem ser referidas, entre outras, as
seguintes caraterísticas: representação de um sujeito
poético feminino («meninas»); alusão aos namorados ou
pretendentes («amigos»); referência às figuras maternas
(«madres») como tendo um papel relevante na vida das
«meninas»; expressão, por parte das «meninas», do desejo
de encontros amorosos; autoelogio do sujeito poético
feminino («fremosas, em cós»; «moças de bom parecer» –
v. 9 e v. 15); duplo valor da romaria, com objetivos
religiosos para as mães e amorosos para as jovens; e
menção a cenas da vida concreta do povo.
2. Na resposta, o examinando deverá referir o
paralelismo existente entre os dois conjuntos de versos,
construído pela repetição e pelas variações. Assim:
– através da repetição da referência aos «amigos», é
enfatizada a importância da presença do elemento
masculino com um intuito determinado («Nossos amigos
todos lá iram / por»; «Nossos amigos iram por» – vv. 7-8
e v. 13);
– através das variações formais, ganham destaque os
objectivos de cada um dos grupos: de sedução e de
exibição consciente, por parte das «meninas»; de
observação e de admiração, por parte dos «amigos»,
relativamente às jovens («por nos veer», «por cousir /
como bailamos» – v. 8 e vv. 13-14; «fremosas, em cós»,
«moças de bom parecer» – v. 9 e v. 15).
3. Na resposta, para além de outros aspetos, o
examinando deverá referir que: para as mães, a viagem
apresenta caraterísticas de peregrinação religiosa
(«Pois nossas madres vam a San Simom / de Val de Prados
candeas queimar» – vv. 1-2); para as «meninas»,
diferentemente, essa peregrinação não é mais do que uma
oportunidade para se divertirem, um pretexto para se
exibirem perante namorados ou pretendentes («lá iram /
por nos veer, e andaremos nós / bailand’ ant’ eles» –
vv. 7-9), deixando às mães o cumprimento das devoções
(«queimem candeas por nós e por si» – vv. 5, 11 e 17).
4. Na resposta, para além de outros aspectos, poderão
ser referidos como traços indiciadores de sensualidade
na cantiga:
– a dança das donzelas diante dos namorados;
– os termos pelos quais as «meninas» se descrevem
fisicamente, dando conta da beleza sensual das
suas figuras («fremosas, em cós») e do efeito que essa
beleza possa ter sobre os seus «amigos»; – a vontade,
manifestada pelas donzelas, de serem observadas e
apreciadas pelos rapazes, enquanto
bailam;
– a utilização, pelas donzelas, da peregrinação
religiosa das mães, como pretexto para encontros de
natureza amorosa, possíveis no contexto da festa profana
de uma romaria, em que bailar tem particular relevo.