D. Dinis é um dos muitos
heróis cantados por Fernando Pessoa. Mas o que é
valorizado neste herói não é propriamente a acção ou
acções concretas por si realizadas (reorganização da
administração interna, elaborando todo um conjunto de
leis baseadas na realidade política, económica
e social do país, combinadas
sempre com uma forte actuação humana; organização da
marinha; consolidação das
fronteiras nacionais, reconstruindo numerosos castelos e
fortalezas que se encontravam em ruínas; protecção da
agricultura, da pesca e do comércio, orientadas para o
desenvolvimento das várias regiões; e plantação do
pinhal de Leiria, entre outras medidas mais relevantes),
mas o significado oculto que elas encerram e que o sonho
e o futuro lhes conferem. Não é, portanto, a grandeza
das acções concretizadas que importa, antes o alcance do
seu significado. Assim, D. Dinis representa os valores
espirituais, simbolizados pela criação dos Estudos
Gerais de Lisboa, pela sua faceta poética e por ser o
semeador do pinhal de Leiria, que fornecerá a madeira
para as caravelas das Descobertas.
Esta composição poética
pode ser dividida em duas partes lógicas,
correspondentes a cada uma das duas quintilhas. Na
primeira parte, são realçados exactamente os
significados das acções levadas a cabo por D. Dinis. Com
efeito, são-lhe reconhecidas duas facetas: a de Poeta e
a de criador das condições para as navegações. É claro
que a primazia vai para a primeira dessas facetas, pois
é enquanto poeta-visionário que ele se torna no
“plantador de naus a haver”. Foi o facto de ser poeta
que o transformou num intérprete e num visionador de um
futuro que há-de ser brilhante. Através do sonho, da
loucura, ultrapassou os limites da temporalidade, razão
por que, pelo seu carácter mítico e simbólico, integra
as três realidades mais específicas e fecundas dos
portugueses: o sonho, a poesia e o mar.
A noite
e o silêncio criam as condições
favoráveis à produção literária, razão por que
D. Dinis “escreve um seu Cantar de Amigo” e é na
altura da produção escrita que, visionariamente,
ele já ouve o sussurro dos pinheiros que mandará
plantar em Leiria, com a madeira dos quais se
construirão as naus dos Descobrimentos.
Efectivamente, levado pela inspiração e pelo
sonho, o nosso principal trovador antevê a
riqueza, ainda escondida (sugerida pelo nome
“trigo”) e a grandiosidade da pátria (denunciada
pelos lexemas “império” e “ondulam” – este
último remete-nos ara
ondulação, mar, naus,
descobrimentos…
Entretanto, do uso do oxímoro “ondulam sem se poder ver”
retira-se a ideia de que o sonho se tornará realidade,
reiterando-se o valor do mito enquanto força patriótica
e exaltação épica. Assim, em vez da história concreta, é
o mítico, o inconsciente, o mundo das forças primeiras e
impalpáveis que são destacados nesta primeira parte do
poema.
Na segunda parte,
recorrendo a inferências simbólicas, o sujeito poético
vê, metaforicamente, Portugal (uma “jovem” e “pura”
nação, porque ainda estamos nos primórdios da
nacionalidade e ainda não tinha havido a contaminação da
“vã cobiça de mandar” e da “Fama” e “Glória”, a qualquer
preço, nem tão-pouco do “metal luzente e louro”) como um
“arroio”, ou seja, uma pequena corrente de água que, mal
nascida, corre logo em direcção ao mar. Também o destino
glorioso de Portugal estará no mar, no “oceano por
achar”, nas águas desconhecidas. Enquanto isso, a “fala
dos pinhais” (personificação) metaforiza-se no barulho
ainda indefinido do mar (“marulho obscuro”). E esse
“marulho” é já o “som presente desse mar futuro”
(antítese / paradoxo) e a “voz da terra”
(personificação) que anseia pelo mar – mais uma vez,
somos remetidos para o período áureo das Descobertas,
para o apelo ou a atracção que o oceano sempre exerceram
sobre um povo que é conhecido, nas páginas da história
da humanidade, como uma nação de gente de navegadores.
Nota:
veraquianálises ou leituras
orientadas de outros poemas de Fernando Pessoa e seus
heterónimos.
Talvez também tenha interesse em ver comentáros
de poemas e estudos integrais de todas as obras e
autores que fazem parte dos programas de
Português e de Literatura Portuguesa dos 9.º ao
12.º anos de escolaridade.