Pessoa visualiza a Europa na figura de uma mulher que, de bruços, fita, passiva
e indiferente, a distância.
É a imagem de alguém que perdeu a alegria de viver e
que, no presente, recorda nostalgicamente os tempos áureos das civilizações
grega e romana ("toldam-lhe românticos cabelos / Olhos gregos lembrando"),
civilizações que foram o seu orgulho, a sua razão de viver, pois foram os olhos
que levaram a luz, a vida, a todos os recantos do mundo. Noutros tempos, essa
mulher desenvolveu todas as suas capacidades, assumiu plenamente o seu papel de
mãe criadora e renovadora - veja-se a importância das culturas greco-latinas,
que estão na base de toda a civilização ocidental. Agora, decrépita, vive apenas de lembranças. O seu
corpo está cansado, "jaz", como "cansadas" estão duas nações
importantes da Europa (a Inglaterra e a Itália), identificadas como os
cotovelos.
Mas nos olhos enigmáticos, esfíngicos, dessa figura inerte,
vislumbra-se ainda um desejo de regresso às origens... É necessário renascer. Um
novo mundo espera-a!... Não já um mundo perecível, como o do passado, que se
desmoronou, porque assente em valores materiais, mas um mundo imperecível, um
mundo construído com aquilo de que os sonhos são feitos, onde o Homem se
realizará plenamente,
logo, um mundo espiritual, cultural, dado que só os
valores espirituais são imorredouros.
Como cabeça da Europa, única parte do corpo que ainda se mantém activa, compete
a Portugal e aos portugueses serem o garante desse novo mundo, desse império
grandioso cujos ecos hão-de atroar pelo Universo - o Quinto Império Português,
o império do Sol, da Luz, do Conhecimento, em que o
Homem se sentirá plenamente realizado.
Assim, o olhar perscrutador de Portugal fixa-se no ocidente, no Oceano Atlântico: "Fita, com
olhar esfíngico e fatal / O Ocidente..". É a partir dele que os novos caminhos
do "Futuro" têm, fatalmente, de ser rasgados, caminhos que, forçosamente, terão
de ser diferentes dos do "Passado", que levaram à criação de um grande império
terreno, mas também à sua destruição e à destruição do próprio país ("Cumpriu-se
o Mar, e o Império se
desfez").
E deste modo se
cumprirão as palavras de Pessoa, publicadas em Setembro de 1912, na revista A
Águia: «E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia Nova, que não existe
no espaço, em naus que são construídas "daquilo de que os sonhos são feitos". E
o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro
e carnal antearremedo (= uma anterior imitação pobre, imperfeita), realizar-se-á divinamente».
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de poemas e estudos integrais de todas as obras e
autores que fazem parte dos programas de
Português e de Literatura Portuguesa dos 9.º ao
12.º anos de escolaridade.