“O Infante” é um dos
poemas mais conhecidos e mais interessantes da
Mensagem. Trata-se de uma obra de engenharia
literária extraordinária, como o demonstrará, um pouco,
a breve análise que de seguida se apresenta.
Esta composição pode ser
dividida em três partes lógicas. A primeira
delas corresponde ao primeiro verso, que é um
mote ou uma frase aforística, onde está contida
a tese, tese essa em que a tripartição
também é bem notória, já que é
constituída por três
segmentos linguísticos: “Deus
quer”, “o homem sonha” e “a obra nasce”. Repare-se que
nestes três segmentos há três elementos hierarquizados,
mas que estabelecem entre si uma relação de dependência
e de complementaridade – para que uma obra nasça é
necessário que o homem sonhe e que Deus tenha querido.
No vértice superior deste triângulo mágico, e que se
pretende dinâmico, está Deus; depois, nos vértices
inferiores, temos o homem e, finalmente, a obra.
Qualquer um deles, porém, só funciona em função dos
outros…
A segunda parte engloba os
três restantes versos da primeira quadra e a
segunda quadra. Nela procura-se desenvolver a
tese, razão por que também ela pode ser
subdividida em três momentos, cada um deles
reportando-se aos três elementos da tese.
Assim, num primeiro
momento, que integra os versos 2 e 3, explica-se o que
Deus quis - “que a terra fosse toda uma, / Que o mar
unisse, já não separasse.”; num segundo
momento, é dito que Deus, para satisfazer o seu desejo,
sagrou o Infante (“sagrou-te” – repare-se que o pronome
pessoal “te” tem como referente o Infante e que a forma
verbal “sagrou”, para além de dignificar esse mesmo
Infante, que até foi abençoado por Deus, sendo, pois, o
Escolhido, e com ele todo o povo português, faz lembrar
ainda Sagres, a localidade algarvia de onde partiam as
naus para as Descobertas e onde existia uma Escola
Náutica fundada exactamente pelo Infante D. Henrique);
finalmente, num terceiro momento, que começa em “e foste
desvendando a espuma” e se prolonga até ao fim da
segunda quadra, está referenciada a obra – gradualmente,
o Infante (herói individual) e, por extensão, todo o
povo português (herói colectivo) foram decifrando os
mistérios do mar, até que, “de repente”, numa espécie de
relevação, surgiu “a terra inteira”, “redonda, do azul
profundo”. Estava desvendado o mistério!... Saliente-se
a predominância da cor branca (“espuma”, “branca”,
“clareou”), símbolo da pureza e da perfeição (o império
que os portugueses formaram era perfeito e ainda puro) e
da cor “azul profundo”, símbolo do mistério, tal como a
“espuma” (v. 4), que, entretanto, foi desvendado. Um
destaque especial também para o adjectivo “redonda” (v.
8), que representa a unidade e a perfeição, já que o
círculo é a figura geométrica perfeita, por excelência.
Também a terra é perfeita, porque é obra de Deus, sendo
esse o motivo pelo qual a entidade divina queria que “a
terra fosse toda uma, / Que o mar unisse, já não
separasse” – a ideia de unidade aparece aqui enfatizada.
A terceira parte do poema
engloba a terceira quadra e assume-se como uma espécie
de síntese, sendo nela salientada a ideia de que Deus
incumbiu o Infante e os portugueses de cumprirem uma
missão, missão essa que consistia, no essencial, em
fazer com que o mar fosse fonte união e não de separação
– “quem te sagrou criou-te português. / Do mar e nós em
ti nos deu sinal”.
Ora, os
portugueses cumpriram esse desejo de Deus
(“Cumpriu-se o Mar”), só que o império formado
se desfez (“e o Império se desfez”), dado que
estava assente em valores materiais, em vez de
alicerçado em valores espirituais, imortais. Por
isso é que é necessário “cumprir-se Portugal”
(Senhor, falta cumprir-se Portugal”), ou seja, é
preciso retomar a tese inicial.
É urgente que Deus volte a querer, que o homem
volte a sonhar, para que a obra volte a nascer, mas
agora despida de toda a materialidade, caso contrário o
tão ambicionado Quinto Império, o Império da Luz, da
cultura, da universalidade e unidade autênticas, da
Perfeição, nunca mais será alcançado.
Como vimos, está
subentendida nesta composição poética, como noutros
textos pessoanos, aliás, a dialéctica hegeliana – tese
(primeira parte), antítese (segunda parte) e síntese
(terceira parte). Convém, no entanto, reiterar que a
síntese não foi ainda atingida, porque “falta cumprir-se
Portugal”. Daí a premência de se voltar ao início. E é
neste sentido que este texto poético tem uma estrutura
circular e dinâmica.
Nota 1:
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Nota 2:
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análises ou leituras orientadas de outros poemas de
Fernando Pessoa e seus heterónimos.
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de poemas e estudos integrais de todas as obras e
autores que fazem parte dos programas de
Português e de Literatura Portuguesa dos 9.º ao
12.º anos de escolaridade.