O poema "O Quinto Império" retoma uma das temáticas mais
frequentes ao longo da Mensagem - a
validade e a importância do Sonho. E esta temática ganha
foros de primazia nesta terceira parte da obra pessoana,
uma vez que estamos perante a parte mais mítica da Mensagem.
De facto, se é verdade que a imagem
que nos é dada agora de Portugal é a de um país que
parece estar envolto em nevoeiro, em trevas, que parece
estar triste, permanece, contudo, a esperança de que um
novo império há-de surgir e é já anunciado pelos
símbolos e pelos avisos. Será, como se sabe, um império
grandioso e imortal, porque assentará em valores
espirituais, os únicos verdadeiramente imortais. Assim,
se é inquestionável que, simbolicamente, esta parte
representa a morte de uma nação que já foi grandiosa,
não menos descurável é a ideia de que essa morte contém
em si o gérmen de uma nova vida, assumindo-se, por isso,
como a síntese futurista e profética do Quinto Império.
A composição poética em análise pode ser dividida, a
exemplo de muitas outras que compõem esta obra
épico-lírica (de pendor marcadamente mítico) pessoana,
em três partes lógicas, sendo que a primeira corresponde
às duas primeiras quintilhas, a segunda à terceira
quintilha e a terceira às duas últimas estrofes.
Nas duas primeiras estrofes, o sujeito poético lamenta o
facto de as pessoas, em geral (note-se que o pronome
relativo "quem" tem um carácter universalista), se
acomodarem demasiado às rotinas do dia-a-dia, tendo como
preocupação exclusiva a satisfação das necessidades
básicas imediatas, estejam elas relacionadas com o
conforto do lar ("contente com o seu lar") ou com a
vivência de uma felicidade aparente ("Triste de quem é
feliz!"). Com efeito, as pessoas que se
acomodam a uma vida fácil,
que vivem no aconchego proporcionado por uma
"lareira" ou debaixo do abrigo de um tecto, acabam por
não alimentar o sonho, por não se deixarem enlear pelo
poder sedutor da aventura. São, por isso, uns
tristes, como bem o evidencia a reiteração do
adjectivo "triste", colocado anaforicamente à cabeça das
duas primeiras quintilhas. Ora, essas pessoas, a fazer
fé nas palavras do sujeito poético, deixam esmorecer a
chama da alma, pelo que não vivem uma vida plena,
limitando-se a sobreviver: "vive porque a vida dura. /
Nada na alma lhe diz / Mais que a lição de raiz - / Ter
por vida a sepultura". Repare-se na expressividade do
paradoxo contido neste último segmento frásico - as
pessoas vivem ilusoriamente uma vida sem sentido, dado
que a "vida" para elas não passa, efectivamente, de uma
"sepultura", o lugar dos mortos. Dito de outra forma, o
seu corpo continua vivo, sadio, porém, espiritualmente
falando, a sua alma perdeu a chama, porque o sonho, pela
sua ausência, já não torna "mais rubra a brasa / Da
lareira a abandonar".
Mas por que é que as pessoas que se acomodam são
ironicamente criticadas pelo eu lírico? A
resposta é-nos dada na segunda parte do poema,
constituída pela terceira quintilha, uma estrofe
medial no poema, funcionando como uma estrofe
charneira, porque é nela que se processa a
articulação entre a primeira parte, na qual,
como vimos, se procede à análise do
comportamento de muitos seres humanos
que, presos
à terra,
instalados
no mundo material, não se apercebem do poder do acto de
sonhar, e a terceira, onde se falará mais nitidamente do
Quinto Império, um império que tem como leitmotiv
o sonho, o mito, o lado mais espiritual das
coisas. E essa resposta é muito simples: o tempo vai
escorrendo era após era ("Eras sobre eras se somem / No
tempo que em eras vem"), todavia há uma característica
do homem que permanece ou que deveria manter-se
eternamente - a insatisfação humana. O homem é, na
verdade, um ser eminentemente insatisfeito ("Ser
descontente é ser homem."), razão por que o homem sempre
alimentou o desejo de ver a alma (o espírito) a
sobrepor-se à materialidade, às forças instintivas -
"Que as forças cegas se domem / Pela visão que a alma
tem!".
O que é certo é que foi essa insatisfação humana, essa
capacidade de ir mais além, que esteve na base da
formação de impérios, que se foram sucedendo. Quatro
deles já tiveram o seu apogeu, a que se seguiu,
naturalmente, o respectivo declínio, ao resvalarem para
o mundo do olvido - "Grécia, Roma, Cristandade, / Europa
-
os quatro
se
vão / Para onde vai toda a idade". Então, passados esses
"quatro tempos", ressurgirá das trevas, da noite do
obscurantismo que caracteriza os dias de hoje, um novo
dia, uma nova era, que responderá ao apelo de "loucura"
feito por D. Sebastião, o rei que da morte fez vida,
porque como mito se fixou na memória colectiva de um
povo. Esse império será, logicamente, o
Quinto Império
português. E assim, "...no atro (= escuro) / Da erma
noite..." se fará Luz...
De notar, para finalizar, que o número cinco e a
simbologia que lhe está associada (note-se que o número
cinco é a soma do número dois, o número que representa a
Terra, e do número três, o número divino, do Céu. Logo,
representa a ligação da terra e do céu, formando, deste
modo, uma síntese perfeita, uma universalidade, como
universal irá ser o Quinto Império) são várias vezes
presentificados nesta composição poética: no título, nas
cinco estrofes que compõem o texto, no número de versos
vertidos em cada estrofe, na referência aos quatro
impérios a que se seguirá, fatalmente, um quinto.
Publicado
por
Joaquim Matias da Silva
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