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Fernando Pessoa

 

O QUINTO IMPÉRIO

- Comentário ao poema -

 

O poema "O Quinto Império" retoma uma das temáticas mais frequentes ao longo da Mensagem - a validade e a importância do Sonho. E esta temática ganha foros de primazia nesta terceira parte da obra pessoana, uma vez que estamos perante a parte mais mítica da Mensagem.

 

 

De facto, se é verdade que a imagem que nos é dada agora de Portugal é a de um país que parece estar envolto em nevoeiro, em trevas, que parece estar triste, permanece, contudo, a esperança de que um novo império há-de surgir e é já anunciado pelos símbolos e pelos avisos. Será, como se sabe, um império grandioso e imortal, porque assentará em valores espirituais, os únicos verdadeiramente imortais. Assim, se é inquestionável que, simbolicamente, esta parte representa a morte de uma nação que já foi grandiosa, não menos descurável é a ideia de que essa morte contém em si o gérmen de uma nova vida, assumindo-se, por isso, como a síntese futurista e profética do Quinto Império.

 

A composição poética em análise pode ser dividida, a exemplo de muitas outras que compõem esta obra épico-lírica (de pendor marcadamente mítico) pessoana, em três partes lógicas, sendo que a primeira corresponde às duas primeiras quintilhas, a segunda à terceira quintilha e a terceira às duas últimas estrofes.

 

Nas duas primeiras estrofes, o sujeito poético lamenta o facto de as pessoas, em geral (note-se que o pronome relativo "quem" tem um carácter universalista), se acomodarem demasiado às rotinas do dia-a-dia, tendo como preocupação exclusiva a satisfação das necessidades básicas imediatas, estejam elas relacionadas com o conforto do lar ("contente com o seu lar") ou com a vivência de uma felicidade aparente ("Triste de quem é feliz!"). Com efeito,  as  pessoas que se acomodam a uma vida fácil,

 

 

que vivem no aconchego proporcionado por uma "lareira" ou debaixo do abrigo de um tecto, acabam por não alimentar o sonho, por não se deixarem enlear pelo poder sedutor da aventura. São, por isso, uns tristes, como bem o evidencia a reiteração do adjectivo "triste", colocado anaforicamente à cabeça das duas primeiras quintilhas. Ora, essas pessoas, a fazer fé nas palavras do sujeito poético, deixam esmorecer a chama da alma, pelo que não vivem uma vida plena, limitando-se a sobreviver: "vive porque a vida dura. / Nada na alma lhe diz / Mais que a lição de raiz - / Ter por vida a sepultura". Repare-se na expressividade do paradoxo contido neste último segmento frásico - as pessoas vivem ilusoriamente uma vida sem sentido, dado que a "vida" para elas não passa, efectivamente, de uma "sepultura", o lugar dos mortos. Dito de outra forma, o seu corpo continua vivo, sadio, porém, espiritualmente falando, a sua alma perdeu a chama, porque o sonho, pela sua ausência, já não torna "mais rubra a brasa / Da lareira a abandonar".

 

Mas por que é que as pessoas que se acomodam são ironicamente criticadas pelo eu lírico? A resposta é-nos dada na segunda parte do poema, constituída pela terceira quintilha, uma estrofe medial no poema, funcionando como uma estrofe charneira, porque é nela que se processa a articulação entre a primeira parte, na qual, como vimos, se procede à análise do comportamento de muitos seres humanos    que,    presos      à    terra,

 

instalados no mundo material, não se apercebem do poder do acto de sonhar, e a terceira, onde se falará mais nitidamente do Quinto Império, um império que tem como leitmotiv o sonho, o mito, o lado mais  espiritual das coisas. E essa resposta é muito simples: o tempo vai escorrendo era após era ("Eras sobre eras se somem / No tempo que em eras vem"), todavia há uma característica do homem que permanece ou que deveria manter-se eternamente - a insatisfação humana. O homem é, na verdade, um ser eminentemente insatisfeito ("Ser descontente é ser homem."), razão por que o homem sempre alimentou o desejo de ver a alma (o espírito) a sobrepor-se à materialidade, às forças instintivas - "Que as forças cegas se domem / Pela visão que a alma tem!".

 

O que é certo é que foi essa insatisfação humana, essa capacidade de ir mais além, que esteve na base da formação de impérios, que se foram sucedendo. Quatro deles já tiveram o seu apogeu, a que se seguiu, naturalmente, o respectivo declínio, ao resvalarem para o mundo do olvido - "Grécia, Roma, Cristandade, / Europa - os quatro se vão / Para onde vai toda a idade". Então, passados esses "quatro tempos", ressurgirá das trevas, da noite do obscurantismo que caracteriza os dias de hoje, um novo dia, uma nova era, que responderá ao apelo de "loucura" feito por D. Sebastião, o rei que da morte fez vida, porque como mito se fixou na memória colectiva de um povo. Esse império será, logicamente, o Quinto Império português. E assim, "...no atro (= escuro) / Da erma noite..." se fará Luz...

 

De notar, para finalizar, que o número cinco e a simbologia que lhe está associada (note-se que o número cinco é a soma do número dois, o número que representa a Terra, e do número três, o número divino, do Céu. Logo, representa a ligação da terra e do céu, formando, deste modo, uma síntese perfeita, uma universalidade, como universal irá ser o Quinto Império) são várias vezes presentificados nesta composição poética: no título, nas cinco estrofes que compõem o texto, no número de versos vertidos em cada estrofe, na referência aos quatro impérios a que se seguirá, fatalmente, um quinto.

Publicado por

Joaquim Matias da Silva

 

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